23 de julho de 2009

Do consumo de carne às estrelas de cinema, Índia tenta adaptar tradição à mordernidade



Anand Giridharadas
Bombaim

Para quase 200 milhões de pessoas, é uma forma ancestral de purificar o corpo e pacificar a mente. Acredita-se que os comedores de carne são agressivos e impuros. Quando Gandhi foi para a Inglaterra estudar, foi excomungado por sua casta, que temia que ele sucumbisse aos prazeres da carne (animal).

Hoje, por conta da globalização, não é preciso visitar a Europa para ser tentado pela carne. Franquias do KFC, McDonald's e Pizza Hut atraem a classe média emergente.

Restaurantes chiques oferecem jantares sedutores com robalo, perna de carneiro e confit de pato. As crianças acham bacana comer carne. Jovens executivos querem se adequar durante as viagens de negócios fora do país.

Como uma família pode preservar o vegetarianismo num mundo de comedores de carne? Bem, fazendo o que os indianos sempre fizeram quando se deparam com a estressante escolha entre a tradição e a modernidade: concessões estritas.

Algumas famílias proíbem a carne em suas casas, mas permitem qualquer coisa do lado de fora.

Outras permitem aos jovens comerem carne todos os dias exceto na terça-feira vegetariana.

Outros ainda usam pequenas cozinhas separadas: as crianças podem trazer carne de serviços de entrega, mas têm de esquentá-la no microondas em um cômodo separado especialmente para os carnívoros.

Certa vez visitei a casa de brâmanes devotos em Punjab. Eles viviam a base de vegetais e refrigerantes de cola durante o dia. Mas toda noite um ancião circulava pela casa sussurrando "uísque-frango-carneiro" para os outros homens, avisando que a oportunidade pecaminosa estava disponível em seu quarto. Ao amanhecer, todos eram vegetarianos novamente.

Tornou-se lugar comum, nessa era de globalização, lamentar a assustadora falta de variedade do mundo. A cada dia desaparecem mais línguas raras, mercearias de esquina onde os vendedores sabem o seu nome, filmes sem final feliz, formas antigas de fazer presuntos e queijos, a siesta, o bar da vizinhança.

Nesse mar de homogeneização, a Índia vem à tona como uma ilha de hibridização. Sem ser purista em relação ao passado indelével ou ao futuro inevitável, os indianos podem oferecer uma lição sobre como se comprometer com o passado para salvá-lo - e como ser moderno sem ser igual a todo mundo.

Na tradição religiosa hindu, as pessoas visitam os templos para receber "darshan", para ter uma audiência com um ídolo que representa a divindade. Os moradores das grandes cidades hoje têm cada vez menos tempo para esses rituais. Assim, o provedor de televisão via satélite indiano Tata Sky, inaugurou o "Actve Darshan", um serviço interativo que permite às pessoas encontrarem imagens ao vivo do seu templo favorito na televisão: um darshan virtual com sua deidade preferida.

Se você estiver com pressa, é possível fazer caridade de forma alternativa, via mensagens de texto. Airtel, um serviço de telefonia celular, cobra 10 centavos para os usuários que queiram fazer doações para seus templos, deduzindo a doação de suas contas mensais: bênçãos divinas no 64655.

Mesmo os jovens urbanos, que têm pouca memória da Índia antes da globalização, tratam a tradição e a modernidade como um bufê, e não como uma escolha de tudo ou nada. É difícil pensar em outro lugar em que tantos jovens da elite desfrutam dessa liberdade, agora namorando e bebendo, e depois consentindo em silêncio quando seus pais os notificam que os dias de diversão acabaram e que eles têm uma noiva arranjada esperando na sala ao lado.

A Índia está repleta de mulheres independentes e auto-suficientes. Elas usam pouca roupa nos fins de semana; e andam apressadas pelos aeroportos com seus Blackberries durante a semana. Elas são independentes - exceto quando suas mães telefonam para elas oito vezes por dia.

As mães indianas parecem ter um medo eterno de que suas filhas se desviem, mesmo que elas tenham 32 anos de idade. As perguntas que elas fazem parecem feitas por um namorado ciumento: Onde você está? Você está com quem? Por que você foi para esse lugar e não para aquele? Quem a deixou em casa? Como você vai voltar?

A jovem acordará no dia seguinte para fazer uma apresentação para a diretoria da empresa ou para dirigir um filme ou programar uma sessão de fotos de revista. E apesar de todo o seu poder de nova era, muitas delas não ligam para essa chateação.

Eles não sentem que sua modernidade é comprometida para satisfazer a necessidade de proteção de suas mães; e as mães não sentem que a tradição é comprometida por uma filha que talvez fume e durma fora de casa, mas que sempre atende os telefonemas da mãe.

Os indianos gastam 95% com seus próprios filmes, porque estes permitiram que o mundo os influenciasse. Os atores indianos trocaram as danças em torno de árvores pelo rolar na cama. O beijo em cena, antigo tabu, foi finalmente introduzido nas telas.

Caminhe pelo Bund em Xangai, ou por Ipanema no Rio de Janeiro ou pela Nova Arbat, em Moscou. Conte os números de roupas tradicionais chinesas, brasileiras ou russas que você vê.

Depois, venha para Marine Drive, em Bombaim. Os homens passeiam vestidos com suas kurtas e as mulheres, com seus sáris. As kurtas persistem, talvez, porque uma nova geração use as túnicas sobre jeans e mocassins ocidentais. Os sáris também se adaptaram, seus cinco metros de tecido agora são amarrados bem abaixo da cintura e enrolados em volta de blusas ousadas, de frente única e que deixam a barriga exposta, mostrando muito mais pele do que o mais minúsculo dos vestidinhos pretos. O sári negociou. E está prosperando.

Tradução: Eloise De Vylder

Colaborou: Amilton Aires

Veja:

https://noticias.uol.com.br/midiaglobal/herald/2008/08/31/ult2680u722.jhtm
























































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