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13 novembro 2007
Vera em Puttaparthi – Parte 3
Namaste
Hoje temos a terceira parte do depoimento da Vera e sua experiência no ashram do Satya Sai Baba. Se você ainda não leu, leia a primeira parte que foi postada no dia 28 de agosto de 2007 e a segunda parte no dia 20 de Setembro.
Após a emoção do darshan, na saída do mandir, encontrei algumas amigas brasileiras (finalmente!).
Fui logo perguntando sobre a dança e soube que desde a chegada do grupo, a cerca de uns 10 dias, havia reuniões diárias com os encarregados da Organização Sai na América Latina e que a cada dia uma modificação era solicitada por eles.
Eles precisavam ter certeza absoluta de tudo o que seria apresentando pelos três países (Brasil, México e Venezuela). Não poderia ter nada ofensivo à cultura indiana, nada provocativo aos estudantes e além disso a apresentação tinha de ser harmônica e interessante aos olhos de Sai Baba.
Nesse dia também fizemos nossa confirmação de inscrição na Conferência. Esse era um detalhe muito importante, pois todos os delegados (jovens participantes da Conferência) recebiam um tratamento Vip no ashram. Tínhamos fila separada do público para entrar no mandir, além de assentos reservados (locais separados para os jovens, não locais confortáveis, entenda). Também ganhamos muitos presentes dos organizadores da Conferência, por exemplo, uma maleta contendo um livro comemorativo lindíssimo, blocos, livretos, caneta, calendários, japa malas. Também recebemos um lenço laranja e fomos orientados a usa-lo ao redor do pescoço o tempo todo, pois dessa maneira seríamos facilmente identificados como delegados da Conferência.
As delegadas receberam um presente a mais: Sai Baba determinou que cada uma das inscritas recebesse três sáris diferentes, para serem usados nos três dias da Conferência.
Além de todos esses cuidados, também foi determinado por Sai Baba que, durante os dias da Conferência, os delegados recebessem alimentação gratuita. Dessa maneira, foram montadas duas super tendas (uma para mulheres e outra para homens), onde eram servidas as refeições (café da manhã, almoço e jantar).
Depois de me encontrar com o grupo brasileiro, saber mais sobre os detalhes da dança e do ashram, consegui relaxar um pouco mais e comecei a aproveitar o local.
O ashram é um local muito bonito e grande, como eu já havia mencionado. Há algumas barraquinhas de lanches, bebidas, uma barraquinha de coco, uma padaria com vários bolos, pães, torradas e pizzas deliciosas.
Todos esses locais possuem filas separadas para homens e mulheres. Na padaria era muito engraçado: eu dava o dinheiro pra mulher e dizia o que ia querer. Ela pegava o dinheiro com sua mão, contava-o, me dava o troco, se fosse o caso e, com a mesma mão e com a maior naturalidade, pegava o meu pão ou pizza, colocava sobre um recorte de jornal e me entregava.
Eles não usavam nenhum tipo de pegador para nada! Eu vi chegar uma assadeira cheia de pedaços de pizza e o cara ia tirando tudo com a mão....em seguida dava uma raspada básica com a mão no farelinho que tinha sobrado e continuava trabalhando. O pano usado para tirar a assadeira do forno era um saco de juta! Enfim, o aspecto higiênico não era dos melhores, mas a comida era ótima. Desencanei (senão a gente ia ficar doido!) e todo dia eu e Daniel comíamos bolo e pizza na padaria. Até hoje eu morro de saudade do bolo de lá.....hum....
Reparei que lá havia uma “cadeirinha” própria para sentar no chão. Algo como uma almofada com encosto. Ficamos muito interessados, pois assim aliviaria o desconforto de sentar no chão sem encosto algum. Este episódio foi engraçado, pois o Daniel perguntou muito sem compromisso para o rapaz do hotel se lá eles vendiam essa cadeirinha. O cara disse que não, mas se o Daniel quisesse, ele poderia comprar. O Daniel disse que não havia necessidade e voltamos para o quarto. Dali 10 minutos bate alguém à porta. Quando atendemos, era o rapaz do hotel (o rapaz garçom, entregador, etc) com duas cadeirinhas! Ou seja, o cara saiu só pra comprar pra gente e nos trouxe. Pagamos o rapaz e agradecemos a presteza.
Eu já disse anteriormente que havia levado algumas roupas indianas do Brasil. Pois bem, nesse terceiro dia minhas roupas acabaram e eu tinha que comprar alguma roupa. Chegou o momento que eu tanto temia: ir às compras na Índia! É que eu fui avisada várias vezes sobre a necessidade de pechinchar e eu morro de vergonha de fazer isso. Comprar, para mim, é entrar na loja, pedir o que eu quero, saber o preço, pagar e ir embora. Na Índia, o conceito de compras (para estrangeiros) é totalmente diferente. Você nunca deve aceitar o preço que te dizem, deve sempre tentar barganhar. É uma questão cultural. Pois bem, sabendo disso, vamos eu e Daniel às lojinhas pra comprar um punjab para mim. Ao passar pelas lojas e demonstrar algum interesse na mercadoria, os vendedores praticamente te laçam e imploram para que vc entre. Entrei na primeira loja e pedi para ver alguns punjabs. Aqui cabe um detalhe muito importante: para entrar nas lojinhas é necessário deixar seu sapato do lado de fora. Eu não fazia idéia disso. Bem, continuando, os punjabs eram muito bonitos. Perguntei o preço e, independente do que o rapaz me disse, eu fui logo dizendo que era muito caro. O rapaz não fez menção nenhuma de que iria fazer um desconto ou de que estivesse a fim de negociar. Sendo assim, fui saindo, crente de que ele ia me impedir e fazer um bom desconto. Que nada, ele não deu a menor bola. Fui embora dessa loja meio decepcionada, pois tinha certeza que o vendedor ia se esforçar um pouco mais pela venda.
Fui à segunda loja. Nessa, o vendedor me pediu para sentar. Achei muito estranho, mas percebi que seria muito indelicado da minha parte se eu recusasse. Reparei que praticamente todas as lojas tem um assento para ser oferecido aos clientes e eles gostam que vc olhe tudo com calma. As lojas que não tem esse banquinho pra cliente improvisam e fazem das pilhas de mercadorias o próprio assento!
Pedi para ver alguns punjabs e o rapaz foi desempacotando a loja inteira. Eu ficava muito nervosa, dizendo que não precisa desembrulhar tudo, e ele dizia que não tinha problema nenhum. Todas as roupas eram desembrulhadas e colocadas no chão, sobre um tapete, bem no centro da loja. Se o vendedor precisava pegar alguma outra mercadoria, ele pisava sobre as roupas no tapete, numa boa. Escolhi o punjab que mais me agradou e perguntei o preço, pensando: “Lá vamos nós de novo”. O rapaz disse o preço, o qual eu rebati imediatamente que estava caro. Ele pegou a calculadora, consultou o outro rapaz da loja e disse que poderia fazer um bom desconto! Eba! Consegui, finalmente, comprar meu punjab!
Nesse momento ficou muito clara a diferença cultural. Aqui no Brasil nós estamos acostumados a mal sermos olhados pelos atendentes e pagamos o preço da etiqueta. Compramos e pagamos rapidamente. Lá não. Entramos na loja, nos sentamos, o vendedor mostra a loja inteira, escolhemos o que mais agrada, negociamos o valor e aí pagamos. Alguns até oferecem bebida (chá, água), pros clientes. Eu fiquei muito satisfeita com o atendimento na lojinha que até encomendei os saiotes para serem usadas sob os sáris lá. Outra coisa que me chamou muito a atenção enquanto estava em Puttaparthi foram os costureiros trabalhando na calçada das lojas. Primeiro achei curioso os costureiros serem homens e não mulheres. Depois achei engraçado o fato de costurarem na calçada, a céu aberto, jogando os fiapos de pano pelo chão, numa boa.
Com o passar dos dias, os vendedores iam se habituando com a nossa cara e, não sei como, descobriram que éramos brasileiros. Ao passarmos pela calçada, todos acenavam e gritavam: “Brasil! Tudo bem?” e faziam sinais para entrarmos nas suas lojas. Depois disso fiquei um pouco mais à vontade para negociar e até conseguia uns descontos muito bons.
Chegou finalmente o primeiro dia da Conferência. Era uma ocasião muito especial, pois Sai Baba faria um discurso especialmente para os jovens. O início da Conferência também seria marcado por um rally de todos os delegados. Ou seja, todos os jovens fariam sua entrada pelo portão principal do ashram (de uso exclusivo de Sai Baba). Justamente por causa dessa entrada que faríamos, tínhamos que estar muito cedo no ashram. Saímos do hotel ainda às escuras e percebemos que o elevador estava parado. Resolvemos descer de escadas e quase chegando no térreo o Daniel torceu o pé. Na hora ele não deu muita atenção, mas depois.....o pé ficou tão inchado e dolorido que ele mal pode participar do rally. Ele ficou o tempo todo mancando, com dores horríveis no pé. Depois que os delegados entraram no mandir, ele se sentou e descansou um pouco, mas devido ao forte calor e à aglomeração de pessoas em volta dele, ele se sentiu muito mal e resolveu voltar pro hotel.
Chegando no hotel mancando, suado, com o rosto um pouco sujo, os funcionários de lá pensaram que ele tivesse apanhado na rua e ficaram muito preocupados, querendo saber o que tinha acontecido! Imediatamente eles se ofereceram para levá-lo ao hospital (o que ele recusou) e rapidamente providenciaram um saquinho com gelo, além de recomendarem várias pomadas ayurvédicas.
Bem, com o passar do tempo, o ensaio da dança progredia, apesar das mudanças constantes. A dança que o Brasil apresentaria era uma representação indígena do deus Tupã. A princípio teríamos homens e mulheres dançando juntos. Depois tivemos de separar a dança em duas: primeiro a parte dos homens e depois a parte das mulheres, pois era terminantemente proibido misturar numa mesma apresentação os dois sexos. Tínhamos até que tomar o cuidado de não entrarmos em cena enquanto houvesse algum homem terminando sua apresentação. Apesar de ensaiarmos todos os dias, a tensão no grupo era muito grande, e um dos fatores era a indeterminação do dia da apresentação. A Conferência terminaria no sábado, dia 28/07 e até essa data não recebemos nenhuma confirmação da nossa apresentação. No dia 29/07 seriam as comemorações do Guru Purnima, o dia do Guru, uma ocasião festiva muito sagrada na Índia e cheia de comemorações no ashram. Pensamos que, se não nos apresentássemos até o último dia de Conferência, dia 28/07, nos apresentaríamos somente após o Guru Purnima. A orientação que recebíamos era: “Estejam preparados.”
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