13 dezembro 2007

Golpe do Casamento!

Indianas que buscam vida melhor no exterior caem no golpe do casamento

Raymond Thibodeaux, em Nova Déli

Assim como diversas indianas jovens, Sneha Singh atravessou as páginas dos classificados matrimoniais nos jornais diários até encontrar aquele que achou ser o ingrediente para formar com ela o casal perfeito: um homem de uma família decente, com boa educação, um passaporte estadunidense e um salário alto como engenheiro de software no Vale do Silício.

Ela enxergou uma nova vida para si na ensolarada Califórnia. Mais tarde, Singh descobriu que nada daquilo era verdade -- mas a tal altura ela já havia consumado o casamento.

Cerca de 30 mil mulheres indianas, segundo uma estimativa governamental (os especialistas dizem que o número verdadeiro é provavelmente bem maior), são atraídas todos os anos para casamentos fraudulentos por maridos que vivem no exterior.

Isso é parte de um problema crescente na Índia, onde o aumento da prosperidade está fazendo aumentar aquilo que muitos aqui chamam, meio em tom de piada, de "complexo industrial casamenteiro", à medida que os custos dos casamentos e dos dotes fornecidos pelas famílias das noivas sobem sem parar.

À época do seu casamento, Singh tinha 32 anos e estava ansiosa para dar início a uma família própria.

"Havia sinais de alerta desde o início, mas os preparativos para o casamento tinham uma dinâmica própria, fazendo com que fosse difícil falar alguma coisa. Dois dias após casar com ele, percebi que havia sido enganada", conta Singh, cuja idade atual é 35 anos, e que tem longos cabelos negros, maçãs do rosto altas e um sorriso confiante.

Dote exagerado
Segundo os analistas, a "inflação" dos dotes está criando um incentivo para as fraudes. Nas cidades mais prósperas da Índia, não é incomum que os noivos recebam dotes de cerca de US$ 100 mil. Alguns dotes chegam a alcançar a cifra de US$ 500 mil em dinheiro, ouro, diamantes e propriedades.

Os dotes são proibidos na Índia por uma lei de 1961 que raramente é aplicada. Na verdade, os pais muitas vezes pegam empréstimos em bancos para ajudar a pagar o casamento suntuoso das filhas, que geralmente é visto como um acontecimento da mais alta importância.

Na ânsia de casar as filhas com indianos que trabalham no exterior, as famílias ignoram com freqüência um protocolo muito importante do casamento: a investigação da vida do noivo.

Os pais não desejam fazer ao pretendente perguntas que possam parecer descorteses, desencorajando-o a casar-se. Isso segundo um livro de 94 páginas, intitulado "Casamentos com Indianos no Exterior", publicado por funcionários do Ministério de Questões Internacionais Indianas, uma agência criada três anos atrás para cuidar das questões referentes aos 25 milhões de indianos que moram no estrangeiro.

Duas semanas após o casamento de Singh, o seu marido retornou sem ela aos Estados Unidos, tendo levado, entretanto, mais de US$ 2.000 em presentes de casamento. O marido prometeu fazer a inscrição para o visto da mulher, a fim de que ela pudesse juntar-se a ele na Califórnia -- mas não cumpriu o prometido. Meses depois, o pai de Singh começou a receber cartas ameaçadoras do seu novo genro, nas quais este exigia dinheiro para o pagamento de um curso avançado de administração.

Ela conta que a família acabou descobrindo que o marido, de 40 anos, era na verdade um desempregado que recebia ajuda monetária do departamento de assistência social nos Estados Unidos. Além disso, ele era um "noivo em série", tendo se casado pelo menos 12 vezes. Os casamentos na Índia raramente são registrados junto às autoridades governamentais, conforme é exigido por lei.

Vindos de fora
Muitos golpes do casamento são perpetrados por indianos que não moram no país -- e que muitas vezes têm passaportes norte-americanos ou europeus -- e que visitam a Índia durante umas duas semanas em busca de noivas com dotes elevados, fugindo a seguir para os seus países adotivos e evitando processos por parte das autoridades indianas.

O estigma em torno dos casamentos fracassados é tão forte na Índia que as mulheres abandonadas pelos seus maridos indianos que não moram no país geralmente assimilam o golpe caladas, sem levar o marido ou a família destes à Justiça. Embora a exposição ao Ocidente esteja modificando gradualmente os valores sociais, o divórcio ainda é suficientemente raro para que a palavra seja proferida apenas em forma de sussurro na Índia.

"Esse é o crime absolutamente perfeito, e isso é um grande problema", diz Madhu Gand, membro do parlamento indiano e assessor do Ministério de Questões Internacionais Indianas.

Grupos de mulheres na Índia e em diversos países ocidentais estão fazendo pressões para que sejam criadas leis que tornem a fraude do casamento um crime passível de ser punido com a extradição.

"Na Índia temos leis que protegem as mulheres de casamentos fraudulentos, mas se os maridos moram no Reino Unido, nos Estados Unidos ou no Canadá, e especialmente se eles possuem cidadania nesses países, não há muito que possamos fazer no momento", diz Gand, que é dono de um escritório de advocacia em Nova York.

A maioria das mulheres abandonadas jamais presta queixa à polícia ou junto aos tribunais, porque isso se constituiria numa nódoa não só para a mulher, mas também para sua família inteira, conta Singh, que usou a sua experiência de mulher abandonada para criar a Fundação ARK, uma agência sem fins lucrativos que ajuda as mulheres que foram fraudadas ou vítimas de abusos por parte dos seus maridos indianos que moram no exterior.

Os indianos no exterior mutas vezes cedem às pressões dos pais para que se casem na Índia, geralmente com uma mulher que os pais já escolheram. Não é incomum que o rapaz retorne à Índia e, dias depois, case-se com uma mulher que nunca viu antes.

Prestígio
Casar-se com um dos quase meio milhão de indianos que buscam trabalho ou estudam no exterior todos os anos é tido como fator de prestígio em diversas partes da Índia, especialmente no Estado de Punjab, no norte do país, onde a maior parte das famílias possui pelo menos um parente que mora no estrangeiro.

Para muitas mulheres do Punjab, o casamento com um indiano que mora no exterior constitui-se numa promessa de bons empregos para os dois cônjuges, e numa fuga dos sufocantes costumes familiares indianos segundo os quais as mulheres precisam ser donas-de-casa e tomar conta dos parentes.

Estatisticamente, os casamentos entre indianos que estão no país e os que moram fora não duram muito. Estudos recentes feitos por vários grupos indianos de defesa dos direitos das mulheres revelam que a grande maioria deles fracassa nos primeiros dois anos.

Um estudo demonstrou que cinco em cada seis casamento fracassaram. O abismo cultural entre os cônjuges é muitas vezes demasiadamente vasto. "É uma aposta", diz Singh. "Mas muitos pais estão dispostos a fazer essas apostas com as filhas".


Incredible India!

Om Shanti