20 novembro 2008

Iziz Valverde na Incredible India


Namaskar
Bom, poderia ser pior.....
Dialetos, ou melhor, dizendo, raios de palavras invadem o ar - que é seco como o fogo, buzinas ensurdecedoras parece fazer parte do cotidiano das aposentadas construções.
O ônibus nos espera com os seus poucos carregadores magros, de olhar intenso como um poço fundo de águas negras, pareciam querer me dizer alguma coisa, mas apenas balançavam as cabeças, concordando com o que aqueles brancos firanges de jeans e camiseta hering falavam tão nervosos.
Chegada à noite, a comida desceu como lava, exalando um aroma de jiló impregnando meus lábios. Não demorou muito para me perceber dentro de um pimenteiro tamanho big size.
Índia, carro, um cheiro mais intenso de fezes e pimenta adocicada. A chegada: "Palácio de Maharany" - uma donzela dona de adjetivos e predicados magníficos.
A sensação do estar só me invadiu profundamente e cada passo da minha vida se fez como um nostálgico dia no cinema. Pensei nos meus medos, cogitei minha criação, botei a prova minha profissão, me desentendi com a fé, me vi cara a cara, nua.
Do outro lado da muralha, pessoas nas ruas com crianças dopadas no colo - como anjos caídos no purgatório, pedindo perdão pelos pecados não cometidos. Olhares, muitos olhares... Olhares que nunca, jamais, sairão do meu espírito, alma, fantasma, seja lá qual adjetivo se dá a esse fenômeno.
Só sei que olhares me marcaram por sua pureza, sofrimento, fome, raiva, amor, caridade, severidade. Mas o que mais me calcificou foi a conformidade de ser, Ser o que se é e apenas isso... Seja em meio as vacas, que invadem como cardumes os asfaltos ou dentre elefantes que, pintados de rosa e azul, escondem atrás da máscara da primavera uma liberdade roubada, ou seja, na beira de uma calçada urinada vendendo utensílios remotamente utilizados....
Essa foi a Índia que meus olhos percorreram!!!
Voltei para "casa", pessoas bem vestidas, um cheiro de pocã, rosas e damas da noite invadem o saguão, silencioso, com uma música moralista ao fundo, pessoas dialogam baixo, servis. Ouro pelos mais tímidos cantos do palácio. Trabalhadores noturnos agradecem todos os dias pelas noites mal dormidas.
Noite, um silêncio cai sobre a Índia. Foi quando me senti em casa, e na paz desse sentimento... As três Marias e o cruzeiro do sul foram brotando com seus pontos luminosos, no mesmo lugar de quando no Brasil, anos atrás, da janela da casa de minha mãe eram decifrados por mim nas noites frias de inverno, acompanhadas de chocolate quente e conversas familiares - às vezes indecifráveis para uma menina tão jovem.
De novo os pensamentos invadiam minha mente, perguntas, pressuposições, acusações e uma incerteza quase que proposital.
Mas ao longo de 20 dias e 20 noites meu peito foi achando uma nova Isis e uma nova Índia. A Índia dos indianos, a Índia da fé, das cores, do não desistir, da poesia, do viver no presente e não na cobrança do passado ou na ansiedade do futuro. A defensiva se despedia cada vez mais... Redescobri a Isis de Aiuruoca rodeada de terra e minhocas... Isis Nable, nascida em Belo Horizonte, filha do bioquímico Rubens e neta da mulher mais teimosa e feminista que já conheci - Dona Maria Nilse Senador. Essa é a Índia que eu quero levar para o meu infanto Brasil, o cheiro da pimenta que hoje se adéqua ao meu paladar salivante, as crianças sujas que me ensinam danças misteriosamente sábias com as corridas rápidas em meio às muralhas já deterioradas pelo sol a pino de todos os dias.
Um bucolismo me invade a alma e me faz sentir um sopro de vida, vida pura, palpável, viva, onde animais são sagrados, uniões santificadas eternamente, a vida em constante festa - não para pedidos, apenas agradecimentos cantados com batuques e flautas, que, mesmo sendo constantes, sempre me fazem pensar em algo bom, mar de movimentos e trepidações de línguas que ao som da música nos leva para um lugar em comum.
Agora já são 6:30 - o relógio reclama sua hora!!!
Os insetos já se alimentam sanguinariamente e o céu se encontra numa estranha cor - azul e púrpura, com apenas uma estrela no céu, com a qual terminarei este depoimento.
Inexplicável país purgatório/caldeirão...
Paraíso...
Se é que podemos chamar de paraíso...


Colaborou: Martha de Calcuta

Incredible India! (slogan do governo indiano)

Om Shanti

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