Continuando com o depoimento de ontem do Sr. J. Reinaldo...
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O trânsito aqui é um caos. O mais importante é a buzina. Ela serve para tudo: avisar o outro que está vindo em direção oposta, avisar que vai cruzar a rua sem parar, reclamar com quem está devagar na frente, avisar que a preferência é dele, avisar que vai ultrapassar e "sai da frente senão passo por cima". Há alguns veículos com a inscrição na traseira "sound horn" (buzine), pois "eu não tenho espelho retrovisor e não garanto que irei em linha reta. Avise-me que você vai me ultrapassar".
Os mais atrevidos têm a preferência. Vi um carro que queria virar à esquerda. Outro vinha em direção oposta. Um tentando virar e outro desviando. Um avançando para virar e o outro vindo e desviando. Este foi desviando, desviando e foi parar na outra pista para contornar o carro que queria virar à esquerda. Talvez por isso todos os carros possuem pequenos arranhões.
No primeiro dia desisti de atravessar uma avenida. Havia faixa para pedestres, porém sem farol. A faixa era simplesmente ignorada. Depois de muito observar descobri que para atravessar qualquer rua eu não poderia parar. Tinha que ir andando e os motoristas buzinavam e desviavam. Se parasse seria atropelado. Porém, por segurança, eu sempre ia ao lado de algum experiente indiano que estava atravessando a rua destemidamente.
Por várias vezes fiquei em alguma esquina observando o trânsito por 10, 20 minutos, a espera de um acidente ou alguma confusão maior. Numa das vezes vi um guarda fazendo sinal para alguém que estava do outro lado da rua. Fiquei próximo ao posto dele observando. Ele foi até o outro lado e trouxe 2 rapazes e uma moto. Enquanto os rapazes ficaram esperando ao meu lado ele pegou uma espécie de cajado e foi tentar disciplinar o trânsito no meio da rua. Quando voltou me perguntou se havia algum problema.
- Não. Estou apenas observando seu trabalho e tentando entender como você consegue organizar esta bagunça.
Ele deu risada. Perguntei-lhe
- O que o motoqueiro fez de errado?
- Ele deveria seguir em frente e virou prá cá.
- E agora o que você vai fazer com ele?
- Eu vou anotar neste caderno e ele será multado.
E anotou alguma coisa em um caderno que tinha em mãos. Não entendi, mas também não perguntei, por que só ele foi autuado, pois havia um monte de gente fazendo o mesmo!
E por falar em moto, capacete aqui é outro artigo desprezado. Quando há alguém usando é apenas quem está dirigindo. O(a) carona, nem pensar. Vi um motociclista, 2 crianças e uma mulher, todos encarapitados numa moto, e todos sem capacetes.
Não precisa nem dizer que cinto de segurança é enfeite.
Apesar desta bagunça não vi nenhum acidente durante a semana que fiquei aqui. Apenas uma vez vi 2 atrevidos quase baterem. Mas no fim um deles cedeu e a batida ficou no quase.
No escritório
Fui recebido pelo Pd. Um indiano muito legal e inteligente. Me levou a percorrer o andar onde eu ficaria.
Desodorante por aqui é artigo de luxo. Conforme ia passando pelas baias o cheiro ia se modificando do mais suave ao mais forte e vice-versa. Pensei: Se eu ficar aqui uns 2 meses eu saberei quem veio ou faltou, somente pelos cheiros. Mas. no final da semana eu já estava quase acostumado e não sentia tanta diferença assim.
As mulheres utilizam uma trança de flor natural nos cabelos. Assim os homens cheiram suor e as mulheres, flor de velório.
Bairro de classe média
Na hora do almoço fomos, eu e o Pd, dar uma volta pelos arredores do escritório. É um bairro originalmente residencial, classe média. Várias casas tinham uma placa "Casa dos XXX". O Pd me explicou que eram casas ocupadas por 3 ou mais gerações. Os filhos ficam morando com os pais, depois fazem um "puxadinho" para os netos e assim vai.
Uma das casas possuía uma placa informando que ali morava um membro do poder judiciário. Os portões das casas eram entulhados de placas "Não estacione". Cada uma com uma propaganda diferente. Não descobri se isso é porque não há lei que impeça parar em frente a portões de garagem ou porque ninguém respeita a lei.
O outro hotel
Fui levado ao outro hotel onde eu deveria ficar. Não muito melhor que o anterior, mas como ficava a menos de 100 m do escritório não quis correr o risco de ir para algum hotel um pouco melhor, porém muito mais longe. Só um problema. Eu poderia ocupar o hotel apenas após as 22 horas. Se não, pagaria uma diária a mais. Assim fiquei no escritório até 21:45h. Ainda bem que um guarda do prédio me ajudou a levar as malas até o hotel.
O banheiro, tanto neste como no hotel anterior, não foi feito para ter chuveiro. Não há separação para "box" de chuveiro. A água espalha-se por todo o banheiro e molha a privada, pois não há nem aquelas cortinas de plástico isolando o "box".
As portas do elevador não se abriam/fechavam automaticamente. O passageiro deveria abri-las. Uma voz ficava repetindo "Por favor feche as portas" (em inglês e tamil - o idioma local) até que elas fossem fechadas. Quando se descia do elevador era a mesma ladainha. Se as portas não fossem fechadas por alguém o elevador não saia do andar!
A comida
Não consegui me adaptar ao tempero da comida. Além do que, mesmo quando insistia que queria comida sem pimenta eu saia com a boca ardendo. Quando comi em um restaurante local e perguntei se eu estava experimentando uma comida típica da Índia me responderam:
1) Comida típica eu não conseguira comer de tão apimentada.
2) Não existe uma comida típica do país, pois cada região tem sua comida e costumes diferentes das outras regiões.
No "breakfast" do hotel era servido uma espécie de uma pasta, acho que de batata. No primeiro dia que pus uma colherada na boca e mordi, cortei uma pimenta ao meio. Para acompanhar 3 tacinhas de molho. Um parecido com molho de peixe ensopado, super apimentado. Em outra uma mistura a base de coco, sem açúcar, nem sal, nem pimenta. Na outra tacinha não consegui identificar que molho havia. Só me restaram 2 fatias de alguma coisa que parecia pão, mas era uma pasta de arroz semi seca. Comia estas fatias acompanhadas de café (ver item bebida, abaixo).
Há sempre 2 tipos de pratos. Os vegetarianos e os não vegetarianos. Os não vegetarianos são de frango ou carneiro. E só. Isso vale também para as pizzas, que foi o que mais comi. Um dia Pizza Domino, outro Pizza Hut. Mas nem assim escapava de uma pimentinha.
A bebida
Só bebi água mineral ou refrigerante em garrafa. Até para escovar os dentes só usei água mineral.
Quando se pede café aqui vem café, leite e açúcar, tudo misturado, sem chance de escolher as proporções de cada.
Bebida alcoólica, mesmo recentemente liberada para comércio, é muito difícil encontrar. Somente encontrei no último dia quando me levaram a um "pub". Lá tomei uma cerveja famosa, KingFisher. É um pouco mais suave que a nossa, mas é gostosa.
Passeios
Chennai não possui muitas atrações turísticas. Visitei o monte de São Tome. Segundo os católicos, o apóstolo Tomé, aquele que "queria ver para crer" veio para Chennai e viveu por aqui até ser morto no monte que leva seu nome. Lá há uma capela. Porém seu corpo está enterrado em outro local mais central da cidade onde foi construída uma basílica. Também visitei esta basílica.
Outro ponto que visitei foi um templo hindu, não muito grande. É uma área com vários prédios e um templo central onde só pode entrar quem é hindu. Havia uma placa avisando isso. Tentei tirar uma foto da placa, mas fui impedido por um dos fiéis.
Características comuns aos locais hindus e católicos. Só se entra nos templos e igrejas sem sapatos e é necessário pagar para poder fotografar.
As mulheres somente dirigem o olhar se precisam conversar com os homens. Pelo menos os desconhecidos.
No escritório eles sabiam, mas nas ruas sempre me perguntavam de onde eu era.
- Brasil
- Hum?
- É um país da América do Sul
- Ah! América!
- Você gosta de futebol? Fórmula 1? Tênis?
Somente um deles falou: Ah! Ronaldo. Os demais nem faziam idéia de onde ficava este tal Brasil.
A volta
A empresa reservou um táxi para me levar do hotel até o aeroporto. Eu devia pagá-lo. No horário combinado o recepcionista do hotel me avisou que o táxi já havia chegado. Desci, procurei o táxi e nada. Um motorista se apresentou, porém o carro não possuía nenhum sinal de que fosse um táxi. Fiquei meio desconfiado. Mais ainda quando ele começou a andar por umas ruazinhas diferentes do caminho que eu havia feito quando fui passear no morro de S. Tomé e que fica próximo ao aeroporto.
- Você é da empresa Just Call táxi?
- Sim
Fiquei mais aliviado quando ele entrou numa avenida que reconheci como aquela que eu tinha passado anteriormente. Chegando ao aeroporto, perguntei quanto era, paguei e pedi um recibo para poder ser reembolsado
- Eu não trabalho com recibo.
- Então tá. Fazer o quê?
Apesar de ser quase meia noite o aeroporto estava lotado. Entrar na área de "checkin", somente 3 horas antes do vôo. E o meu vôo seria 4:15h. Assim tive que ficar esperando naquela confusão de gente até chegar o horário.
Fiz o "checkin" e fui procurar o lugar para trocar Rúpias por Dólar. Segui a direção apontada pela placa. Não consegui encontrar. Perguntei em uma banca de jornal. Era do outro lado, oposto ao indicado pela placa! A compra das Rúpias foi de 55 por dólar, 15 rúpias a mais que quando comprei na chegada. E como o caixa não tinha notas menores que 10 dólares tive que ficar com algumas rúpias.
Passei por mais duas áreas de verificação para eles terem certeza que eu estava realmente indo embora.
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