Meu nome é Marcelo, tenho 26 anos e, cerca de quatro anos atrás, comecei a trabalhar em uma multinacional aonde eu teria que viajar à Índia por 3 semanas para treinamento. Confesso que meu conhecimento sobre a Índia na época era o mesmo que um indígena tem sobre naves espaciais, logo, cometi o erro de viajar sem me aprofundar muito sobre o país, afinal, que mal poderia me acontecer em meras 3 semanas?
Peguei um vôo da Air France Rio-Paris-Delhi e o treinamento seria em Gurgaon. A primeira parte do vôo foi tranquila, mas na segunda parte o avião já estava cheio de indianos, e eu tive meu primeiro contato com a inabilidade desse povo em formar filas. Ao invés de esperar as pessoas guardarem suas malas no bagageiro, os indianos se empurravam e discutiam entre si. Achei normal, talvez fossem apenas pessoas estressadas pela viagem.
O voo foi tranquilo até chegar próximo ao aeroporto de Delhi, que quando eu fui, só possuía uma pista. Diante disso, ficamos dando voltar no ar cerca de 2 horas até conseguir pousar, por causa do fluxo.
Me encontrei com um rapaz da empresa, que me aguardava com uma placa escrito "Marcilo" (meu nome é Marcelo), e não tive dúvidas que era minha carona. Em todo tempo que fique na Índia fui chamado de Marcilo.
O calor era insuportável no aeroporto e chovia torrencialmente lá fora. Assim que troquei algumas rúpias, aconteceu um apagão no aeroporto. As pessoas andavam por todos os lados se esbarrando, e eu apenas tentava guardar meu dinheiro. Após 2-3 minutos a luz voltou e então pudemos achar o caminho para o carro. Na saída do aeroporto me assustei com a quantidade de mendigos pedindo dinheiro. Um deles agarrou minha perna e eu nervoso perguntei ao amigo indiano o que fazer e ele disse: "chute-o". Ao invés disso ofereci umas rúpias para o mendigo, que deu um tapa na minha mão e disse que queria dólares.
No estacionamento havia outro indiano nos esperando em um carro minúsculo, e vocês podem imaginar como foi difícil guardar meus 190 cm lá dentro. O indiano dirigia de forma aloprada, à noite, sobre uma forte chuva, e buzinando até para as poças d'água. Em um cruzamento logo à frente eu só vi 2 faróis enormes na minha janela. Pensei: "morri". Felizmente, não foi dessa vez. Levamos cerca de uma hora para percorrer a fantástica highway NH-8 e chegar a Gurgaon.
Me hospedei no excelente Hotel Park Premier, e logo no dia seguinte fui ao Ambiance Mall, um shopping cujo corredor tem 1 km de extensão. Após circular meio deslumbrado com os locais, parei para comer o pavoroso Mc Veggie (sanduba vegetariano do Mac Donaldas). Algo que achei interessante é o fato de haver um segurança na porta de cada loja, e em todas as minhas sacolas de compras eram revistadas e guardadas em um armário (devido aos ataques terroristas).
Mais tarde no hotel, fui convidado pelo Chef do restaurante a fazer uma degustação dos pratos típicos do local. No terceiro prato eu não sentia mais minha boca, era impossível lidar com tanta pimenta, mesmo tomando tanta água. Mesmo assim encarei a degustação até o final, e fiquei apaixonado pela combinação de sabores da culinária indiana. Por sinal, tudo tem muita pimenta MESMO, mas é incomparávelmente saboroso, e depois que você se acostuma com a queimação, sem dúvida fica apaixonado.
O indiano da empresa me buscou no hotel todos os dias para ir ao treinamento. Ele era muito amigável e gostava de falar sobre sua família pena que entender o inglês dele nos primeiros dias era uma tarefa quase impossível. A Empresa ficava situada em um local com muitos prédios comerciais lindos, mas inexplicávelmente as ruas eram de terra batida, o que inclusive fez nosso carro atolar em um dia de chuva.
Na minha chegada à empresa, reuniram-se cerca de 40 indianos em minha volta e ficaram me observando e fazendo perguntas. Era engraçado me sentir um gigante em meio a tanta gente de pequena estatura. As indianas são particularmente bonitas, sendo que uma delas me chamou a atenção.
Observei no escritório que as costas de todas as cadeiras estavam sujas, com manchas amareladas, e descobri que no banheiro os indianos não tinham paciência pra secar a mão com ar quente. Então, secavam as mãos nas costas das cadeiras conforme íam passando por elas. As cadeiras mais próximas do banheiro eram as mais nojentas.
Outra coisa que me impressionou era que os indianos homens do escritório costumavam usar as mesmas roupas a semana inteira, ou seja, aqueles que eram inodoros na segunda-feira terminavam a semana deixando mendigos com inveja. E olha que o perfume na India é barato, tanto que comprei vários.
Outra situação engraçada foi quando almocei no refeitório da empresa junto com dois colegas indianos e sentei-me na frente de um desconhecido. Enquanto almoçávamos, o desconhecido passou um pedaço do seu pão no feijão que estava no meu prato. Fiquei abismado. Meus amigos indianos riram muito e disseram que era normal, e que eu tinha que fazer a mesma coisa. Achei estranho, mas depois de 3 semanas e até hoje continuo com o hábito de roubar comida do prato alheio.
Era uma tarde de sábado e eu entediado depois de tanto assistir canais indianos na TV, pensei em sair e dar umas voltas, mas a porta de acesso do hotel estava fechada. Perguntei à recepcionista sobre o motivo e ela disse que porcos selvagens estavam na região do hotel. Eles eram enormes e peludos, pareciam javalis. Mais tarde resolvi ir ao shopping, mas o táxi do hotel não me esperou como combinado, então na volta peguei um tuk-tuk. Falei o trajeto e observei o caminho pelo GPS do celular, foi quando percebi que o motorista do tuk-tuk "errou" o caminho. Na primeira oportunidade eu desci do veículo e me afastei até achar outro táxi, fazendo com que o motorista viesse atrás de mim gritando e gesticulando por alguns metros. Então finalmente achei um táxi e ele me levou para o hotel. Os amigos da empresa me disseram depois para evitar pegar tuk-tuks sozinho, ainda mais à noite.
Quando eu estava andando aos arredores do Deli Haat pós-atentado, notei uma mulher corpulenta de branco vindo em minha direção. Ela agarrou meu braço e tentou enfiar uma agulha, eu imediatamente me afastei e, quando olhei para trás, ela já tinha sumido. Meu colega indiano viu todo o ocorrido e me disse que é comum eles doparem os turistas dessa forma para roubar seus pertences.
Sobre a menina que chamou minha atenção na empresa, chegamos a expressar interesse mútuo e tive a oportunidade de conhecer seus pais. A família foi bem receptiva e hospitaleira. Mas a todo momento reforçavam que suas filhas deviam se casar com hindus. Achei engraçado quando perguntaram meu salário. O pai dela também me "informou" do valor do dote. Ela disse que era prática comum de lá. Depois que voltei, mantivemos contato por meio da internet, mas nosso relacionamento esfriou conforme nos deparávamos com as dificuldades. Hoje estou noivo de uma linda brasileira e ela seguiu a vida casando-se com um indiano.
Marcelo
Fotos: Marcelo
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