Namaskar
Para mim a reportagem abaixo eh muito importante, pois enquanto se fala de crescimento econômico na Índia, NAO se explica que este crescimento eh só nas zonas urbanas e que a zona rural continua totalmente esquecida.
Mas você leitor do Indiagestão não deve esquecer nunca que 60% da população indiana viva na zona rural. E 60% de mais de 1 Bilhão de pessoas eh MUITA gente!!!!!!!!!!!!!
Om Shanti
Na Índia, história em quadrinhos ajuda a mostrar a vida como ela é
O cartunista Sharad Sharma circulou por comunidades espalhadas pela Índia para ministrar oficinas de história em quadrinhos que discutem temas cotidianos dos moradores como violência, discriminação de gênero e corrupção
Por Fernanda Campagnucci
Tudo parecia distante do vilarejo indiano isolado e de casas esparsas que fica na fronteira com o Paquistão. O próprio cotidiano marcado por problemas como a pobreza, a violência contra as mulheres e a discriminação, entretanto, acabou aproximando os moradores de um universo inusitado: o das histórias em quadrinhos (HQs). A ponte entre esses dois mundos foi construída numa das 150 oficinas realizadas pelo método Comics Power (Poder dos Quadrinhos, em inglês), criado pelo cartunista indiano Sharad Sharma.
Há oito anos, ele percebeu que a mídia comercial não se interessava com as questões do campo, longe das grandes cidades na Índia, Paquistão ou Sri Lanka: "Os jornais e as televisões se interessam, principalmente, por políticos e famosos, pessoas da elite ou classe média, sempre focando na vida da cidade". Com os altos índices de analfabetismo da região e a dificuldade de acesso aos grandes jornais, a linguagem dos quadrinhos "pegou". De acordo com o cartunista, a maioria da população (60%) não é representada na mídia.
O método aplicado por Sharad Sharma é simples. Os moradores se reúnem e contam suas histórias de vida e discutem temas do cotidiano. "As pessoas vinham com histórias fantásticas. Não era necessário ficar ensinando o que é direitos humanos ou questões de gênero. Isso é o que eles estão vivendo", explica.
Naquela cidade da fronteira, ele vê o exemplo do poder de simples histórias em quadrinhos. a "Nas primeiras oficinas, nenhuma menina participava. Então começamos a discutir: por quê? É o sistema local dos vilarejos, chamado Pardah, que existe não somente nas cidades muçulmanas, mas também nas cidades hindus? Por que as meninas não vão à escola?", relembra. Seis meses depois, os mais de 400 desenhos colados e distribuídos pelo vilarejo mobilizaram a população local em torno da questão. Os próprios moradores classificaram o feito de "milagre".
"Isso que é desenhar?"
Com a ajuda de técnicas básicas de desenho, muita gente acha que achava que nunca seria capaz de desenhar começa a traçar os círculos e linhas. E as pessoas se soltam. "Ah, isso que é desenhar?", brinca Sharad, imitando a reação mais comum entre os participantes das oficinas.
Nas viagens que o cartunista e os colaboradores do projeto fizeram pelo país, surgiram os mais variados temas da vida dos camponeses: alcoolismo, poluição, corrupção no sistema de distribuição de comida e nas administrações locais.
Transformação
Eles não são dependentes de ONGs e de agências internacionais. Não precisam de equipamentos caros. Tudo o que necessitam é de lápis, papel e fotocópias, sem as preocupações recorrentes da distribuição de publicações em massa. Segundo Sharad, a distribuição local de apenas centenas de exemplares é importante e pode transformar a realidade de uma comunidade. "Um garoto fez uma história em quadrinhos sobre a falta de eletricidade em sua cidade. Tirou fotocópias, deu uma para o engenheiro junior da companhia elétrica da cidade e distribuiu para todos. Quando voltamos lá, depois de um tempo, a companhia tinha visitado o local e já havia luz", conta.
Ele lembra ainda do caso de Jaduguda, região rica em urânio. "Não é uma mineração científica, as pessoas extraem urânio a céu aberto e estão morrendo por causa da radiação", relata. Um empregado da Corporação Indiana de Urânio decidiu parar de trabalhar ali para fazer quadrinhos e sensibilizar as pessoas.
Visibilidade
Agências de publicidade que promovem campanhas na Índia contratam artistas para desenhar seus cartazes, mas muitas vezes esquecem da diversidade dos povos e das culturas indianas. "O artista está sentado desenhando em um escritório, mas não tem idéia do que se passa no Leste, ou no Sul, ou no Nordeste", descreve o ativista. As roupas, os dialetos, os costumes mudam de região para região. E só as pessoas do local são capazes de captar essas diferenças, continua. "As pessoas não imaginavam que os personagens dos quadrinhos pudessem ser feitos em suas próprias línguas".
Além da falta de interesse, o cartunista aponta a auto-censura dos jornalistas indianos como motivo da ausência das questões do campo nas publicações diárias: "Há uma espécie de proibição em se falar de direitos humanos. Se você escreve sobre a Caxemira, por exemplo, os jornalistas começam a ser chamados de pró-paquistaneses ou agentes daquele país".
No Sri Lanka, as histórias em quadrinhos deram início a uma grande campanha de denúncia da violência contra mulheres. Assim como folhetos publicitários são inseridos entre os cadernos dos grandes jornais, os ativistas decidiram tentar a estratégia com as tiras. Sharma conta que os veículos começaram a publicar essas histórias, diante da reação positiva dos leitores. "Antes, não havia uma linha sobre essas pessoas nos jornais", comemora.
Sharad Sharma veio ao Brasil para participar do VII Colóquio Internacional de Direitos Humanos, que aconteceu em São Paulo do dia 3 ao 10 de novembro. Apesar de ser a primeira vez que vem à América Latina, Sharma não consegue explicar um detalhe "estranho": esse é o continente que mais acessa o site do projeto, que reúne alguns exemplos dos quadrinhos produzidos. Curioso, ele vai realizar duas oficinas neste mês - uma em São Paulo e outra em Fortaleza. Quem sabe, durante esse contato direto com as pessoas, ele possa descobrir o porquê de tamanha popularidade entre o público latino.