Chegamos em Tryambakeshwar depois de viajar o dia inteiro e trocar de onibus uma vez em algum lugar no meio do nada. Nessa parada em algum lugar no meio do nada nos tambem jantamos; comi comida de beira de estrada indiana, alem de beber a agua sabe Deus vinda de onde. Ja tinha feito isso antes com os meninos, na verdade, mas nessa viagem com o Pradeep tive que me sujeitar a situacoes bem mais, digamos, de risco para um estrangeiro nao acostumado as condicoes locais – refiro-me aos germes locais etc. Eu nao poderia seguir as recomendacoes recebidas – principalmente por parte de meus pais – de nao beber agua que nao fosse mineral e de tomar cuidado com a higiene, por exemplo. Nao que eu nao tomasse cuidado com a minha propria higiene, mas comendo nessas condicoes que comi, por exemplo, o cuidado com a higiene estava fora do meu alcance. E me recusei a pedir agua em garrafa se em todos os lugares que entramos na India nos servem um copo de agua sem que se cobre por isso.
Bom, voltando a Tryambakeshwar... era ja meia-noite e a cidade dormia. Fomos parando de pousada em pousada procurando vaga e nao encontravamos. A cidade eh um lugar extremamente sagrado no hinduismo, especialmente para os seguidores de Shiva; alem desse existem outros onze templos assim (com uma jyotirlinga) na India inteira. Mas alem disso, nessa cidade nasce o rio Godavari que, segundo diz a lenda, eh a manifestacao do rio Ganges no sul, o que da a ele o status de segundo rio mais sagrado do pais. Por isso o local vive cheio de peregrinos e com todas as vagas ocupadas, mas acabamos encontrando a nossa.
No dia seguinte cedinho ja saimos da pousada para ir ver o templo. Ja estava cheio antes das sete da manha. A verdade eh que pulamos uma etapa importante. O correto seria banhar-se nas nascentes do Godavari no local feito especialmente para isso, fora do templo, para entrar la ja purificado. Nao fizemos por dois simples motivos: meu amigo quis poupar-me e estava fria aquela manha. Depois de vermos o templo ja partimos dali e fomos direto a Nasik.
Nasik tambem eh banhada pelas aguas do Godavari e eh, de novo, um local muito sagrado para o hinduismo, mas dessa vez nao so por conta do rio. La ocorre um dos quatro Kumbh Mela que acontecem a cada doze anos na India. A lenda diz que um dia os demonios e os deuses fizeram um acordo e resollveram parar de brigar. Para tanto iriam dividir o nectar sagrado (amrit); quando ele chegou os demonios roubaram o nectar e, por doze dias (doze anos terrestres), demonios e deuses lutaram . Na batalha quatro gotas do nectar cairam sobre a terra – e sao, portanto, os quatro lugares em que ocorre o festival do Kumbh Mela a cada doze anos. Para se ter uma ideia da importancia desse festival, o ultimo que teve em Nasik (2001) reuniu, durante pouco mais de um mes de duracao, cerca de 70 milhoes de pessoas. Isso porque esse nao eh o maior. Alem do Kumbh Mela e do Godavari, a cidade tambem tem outra importancia: uma das lendas diz que a deusa Sita, esposa do deus Rama, foi sequestrada ali em Nasik, e sua casa esta preservada ate hoje.
Enfim, lendas aparte, o que importa eh que, carregando malas, andamos pela cidade e fomos em todos os pontos importantes. Inclusive lavamos pes, maos e rosto nas aguas do Godavari, onde outras pessoas faziam suas oferendas e rituais. Pouco a frente do rio, ja fora da area de purificacao, mulheres lavavam suas roupas. Ao lado, uma feira livre no chao. Vacas andando no meio. Muito barulho. India.
De Nasik partimos para um templo de Durga no meio de um penhasco no meio do nada. Fomos de onibus ate o alto de uma montanha, onde paramos na vila. De la tivemos que escalar o penhasco numa escadaria, ate atingir o templo. O diferente disso eh que tinhamos que usar um capacete para subir a escadaria, pois nao ha muito tempo algumas pedras soltaram-se do penhasco e destruiram parte do templo. Por sorte ninguem morreu, mas o templo parecia ter sido bombardeado.
De la iriamos direto para Shirdi. No entanto, pegamos o onibus errado e tivemos que parar num entroncamento de estrada no meio do nada. Havia uma barraquinha preparando alguma coisa qualquer, bem do tipo de que turista nenhum se arriscaria a comer em momento algum da vida. Pois Pradeep comprou um pouco daquela coisa qualquer e comemos. Eu estava mesmo com fome. Finalmente o onibus correto passou e fomos pra Shirdi, onde, de novo, so chegamos tarde da noite. Shirdi eh a cidade do primeiro e original Sai Baba (morto em 1918), e que uma parcela enorme da populacao indiana eh devota. O outro Sai Baba (Satya Sai Baba), que diz ser reencarnacao do primeiro, eh mais famoso so no ocidente. Na India eles cansaram de suas promessas nao cumpridas, de seus milagres desconstruidos, de sua filosofia que nao bate com a do primeiro. E devo dizer: ate o presente momento, o templo com mais devotos que vi ate agora na India sem ser em celebracao especial foi o do Sai Baba de Shirdi.
Quando chegamos na cidade nao encontramos vagas em absolutamente hotel algum. Havia um enorme centro de recepcao para os devotos, da propria instituicao mantenedora do templo, que possuia inumeros leitos, mas qualidades das mais basicas possiveis. Era nossa ultima opcao. Ao chegarmos la, juntos com familias inteiras que vinham de longe, disseram-nos que nao havia vagas para dois. Porem, ao descobrirem que uma pessoa (eu) estava vindo de tao longe para ver o templo do Sai Baba, disseram que poderiam dar um jeitinho. E deram o tal jeitinho; arranjaram um quarto pra gente que seria pra quatro. Coitada da familia de quatro pessoas que ficou sem vaga... dormimos em cama bem simples, mas suficiente para descancarmos. No dia seguinte cedo fomos ao templo ter o darshan do Sai Baba (em sanscrito, essa palavra, darshan, significa “ter a visao do divino”, ou seja, nesse caso, ver a estatua do Sai Baba no altar do templo), o que durou segundos, pois, pelo tanto de gente, tinhamos que ser muito rapidos. E dali, de novo, partimos para outro lugar, que vai ficar para o proximo relato, eh claro.
Om Shanti Om