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23 abril 2008

Ibirá na Índia - Parte 14

( Nos fundos da universidade em Ashta, casas extremamente simples de agricultores familiares)
( A rua em frente à casa em que mora Sankalp e seus amigos, em Ashta)

Namaskar!
Finalmente contarei como foi minha última semana na Índia! A Sandra acaba de me liberar para escrever, agora que a situação melhorou, graças a Deus. Este relato, embora esteja sendo publicado quando eu já estou de volta ao Brasil, foi escrito em papel na minha última noite de Índia, do dia 14 ao 15 de abril, em Mumbai. Mas para alegria geral, ele não será o último! Meus escritos sobre minha última semana de Índia tiveram que ser divididos em dois relatos, então encerrarei minha participação no blog da Sandra no Ibirá na Índia - Parte 15.
Bom, vamos lá. Na terça-feira, dia 8 de abril, peguei o trem na New Delhi Station, às 17hs, rumo a Mumbai. Estava deixando a capital política indiana para chegar na capital financeira, 23 horas depois. Sim, vinte e três horas dentro de um trem indiano. Justamente por isso, eu estava torcendo para que as pessoas que ficassem no meu "nicho" no trem fossem no mínimo, digamos, comunicativos. No entanto, embora não fossem mal-caráteres, eles não falavam inglês... até tentaram se comunicar, mas o máximo de interação que tiveram comigo foi um doce que me deram. Enfim, fiquei lendo a maior parte do tempo.
Embora meus planos fosse ficar uma semana em Mumbai, meus amigos do começo da viagem - Sankalp e Pradeep - ao saberem que eu estaria relativamente perto deles mais uma vez, insistiram para que eu os revisitasse. Aceitei prontamente o convite, até porque uma semana de Mumbai seria exagero. Sendo assim, imediatamente ao desembarcar do trem em Mumbai parti para uma estação de ônibus, onde embarquei para Pune encontrar o Pradeep.
Cheguei lá por volta das 21hs. Pradeep encontrou comigo e fomos jantar num restaurante simples de comida do Rajastão (um lugar onde estrangeiro nenhum tinha ido e estavam todos felizes lá dentro). Comemos e fomos ao cinema assistir a um filme de Bollywood chamado Shaurya. Era em Hindi e sem legenda, então não entendia nada e o Pradeep ficava me falando as coisas mais importantes; mas deu pra perceber que o filme é sério e parece ser bom. Ele trata da questão da Cachemira e nem tem o tradicional song-and-dance de Bollywood. Ah sim, mas não posso esquecer de dizer uma coisa que aconteceu completamente inesperada e que ninguém nunca tinha me dito e nem sei se em toda a Índia é assim. Antes de o filme começar, mas após os trailers e comerciais, apareceu uma mensagem na tela e de repente todos levantaram. Levantei junto, claro, e eis que começa a tocar o hino nacional indiano! Somente após isso que o filme começou.
Bom, no dia seguinte o Pradeep me levou para conhecer a Universidade de Pune, uma das melhores da Índia e com o maior número de estrangeiros matriculados. Fomos até fuçar na secretaria para ver se há brasileiros ali, mas a resposta foi não... fomos inclusive visitar o pequenino departamento de geografia da universidade, onde me convidaram para fazer a pós-graduação, mas confesso que não fiquei muito animado, não...
Depois disso, no final da tarde, peguei um ônibus, novamente, rumo a Ashta, a cidade da faculdade do Sankalp. Para quem leu os meus primeiros relatos, eu havia ressaltado a questão do distanciamento entre garotos e garotas. Dessa vez, porém, houve uma sensível mudança. Enquanto eu estava em Delhi aprendendo a ser malandro, a faculdade do Sankalp promoveu uma excursão com os alunos e, graças a isso, garotos e garotas se enturmaram mais e eu percebi isso claramente. Ainda assim, por ordem da diretoria, na sala de aula os meninos ficam de um lado e as meninas de outro.
Fiquei três dias em Ashta com Sankalp e seus amigos. Não fizemos nada de especial, não fomos a nenhum outro lugar. Apenas vivi a vida de garotos indianos que estudam numa não reputada faculdade de engenharia, moram numa república e não têm muito o que fazer na cidade - Ashta não passa de uma vila rural, na verdade. Novamente eu estava na Índia tradicional, onde, diferentemente de Delhi e do que vi depois em Mumbai, os costumes e tradições da sociedade em volta falam mais alto, embora os estudantes sonhem em quebrar os costumes. Mesmo assim, a cerveja não faz parte do imaginário deles, ainda - no final da tarde, o famoso chá indiano. Num desses momentos de chá ocorreu uma coisa bem curiosa, quando começamos a filosofar sobre as religiões no mundo. O mais curioso nisso é que estávamos eu (a parte cristã da discussão, já que sou de um país cristão), Sankalp, que é hindu, e seu amigo Mushtaq, que é muçulmano. A conversa estava tão empolgante que tivemos que nos auto-interromper senão perderíamos a hora...
E sim, estando em Ashta, embora parte dos alunos da faculdade já me conhecessem, eu voltei a ser um completo ET. Dentro da faculdade eu tinha que parar a cada metro, pois toda hora vinha um estudante querendo saber quem eu era, por que estava ali etc... Um dos funcionários da faculdade, cuja esposa prepara marmita sob encomenda para os alunos, insistiu para que eu fosse à sua simples casa para tomar um café da manhã. Não recusei, claro, e na manhã seguinte fui a sua casa, realmente bem simples. Tomamos chá com biscoito, conversamos um pouco (ele não falava inglês direito, mas Sankalp estava junto e serviu de tradutor) e fomos embora.
Apenas para relembrá-los, enquanto estive em Pune e Mumbai com meus amigos eu revivi a vida indiana com tudo que tive direito. Ou seja... tudo aquilo que vocês já sabem em relação às refeições e ao uso do banheiro...
Bom, no sábado à noite, dia 12 de abril, peguei um ônibus para Mumbai, finalmente. Um dos amigos do Sankalp veio junto, o que me deu mais conforto, já que ele poderia me ajudar quando chegássemos em Mumbai. A viagem durou cerca de sete horas e chegamos na maior cidade indiana assim que o sol raiou. Mas, como já muito me alonguei aqui, fica para o próximo depoimento!
Om Shanti Om

04 abril 2008

Ibira na India - Parte 12

(Rua central de Jaipur, com as fachadas "rosas" e as lojinhas de artesanato)

(Amber Fort)

(Jantar Mantar, observatorio astronomico do seculo XVIII)


Namaskar

Hoje vou guardar esse relato para contar sobre minha experiencia em Jaipur, nos dias 27 e 28 de marco.

Pra comecar, preciso dizer que Jaipur eh a capital do estado do Rajastao, um estado famoso por seus grandes fortes e palacios da epoca dos marajas. Isso significa que dois dias para Jaipur eh suficiente caso eu use os dois dias completos, nao metade de cada... enfim... resolvi que iria de manha para la, saindo de Delhi, mas so consegui o onibus por volta das dez da manha e acabei chegando na cidade quase tres da tarde. Fui direto ao City Palace, o que foi um dia o palacio de um maraja. Minha ideia era, depois de la, ir ao Jantar Mantar (um observatorio astronomico da mesma epoca do maraja) antes que ele fechasse, as 17hs. De fato, consegui sair do City Palace as 16:45, mas, como toda cidade indiana, quem disse que encontrar as coisas eh facil? Fui pro lado errado, pra variar.

So que como pra mim o lado errado pode ser tambem o lado de novas descobertas e experiencias e diversoes, entao tudo bem; afinal, nunca sei que o lado eh errado ate perceber que o meu objetivo esta para o outro lado... enfim, nesse caso o meu lado errado virou a avenida principal do centro de Jaipur, lotada de lojinhas e vendedores abordantes pentelhos. Embora eu nao quisesse comprar nada ali naquela hora (porque eu ainda pretendia encontrar o Jantar Mantar) continuei andando e olhando pra tudo, ate que alguem me abordou.

Curiosamente, o rapaz que apareceu nao estava me oferecendo nada - so queria conversar e saber de mim, como um bom indiano curioso que era. Parei para conversar com ele e desisti do Jantar Mantar (ja eram 16:55...). Eu iria dormir uma noite so la, e como as atracoes turisticas fecham as 17hs, eu teria horas livres pra conversar com quem eu quisesse. Fiquei coversando com ele, que se chamava Bali, ate aparecer do lado dele um outro rapaz tanto curioso quanto. Esse outro cara, depois de mais um tempinho, perguntou se eu nao queria um cha (o famoso chai indiano, que se pronuncia tchai). Exitei por um momento, ate que ele falou para eu entrar na loja deles (ai que percebi que os dois trabalhavam juntos) e tomar um cha, enquanto poderiamos prosseguir a conversa sentados. Sendo dentro da loja eh mais confiavel, entao fui.

Tomei o cha na loja (que era de joias) e conheci mais um cara. Descobri que eles sao em mais gente, e que cada um mora em um canto do mundo "exportando" pedras para Jaipur. Um inclusive, mora no Brasil. Me propuseram, a serio, que eu tambem me tornasse um fornecedor deles, virando membro da "gangue", por assim dizer. Apenas respondi que era uma boa ideia e dei mais um gole no cha. Conversa vai, conversa vem, o segundo cara perguntou se eu nao queria conhecer uma cooperativa de artesoes, sem compromisso (tava demorando ...)... acabei aceitando, mais pela curiosidade de ver a cooperativa. Fomos com o carro dele, ate a periferia de Jaipur. La de fato conheci a cooperativa e vi umas pessoas visivelmente pobres tingindo tecidos em caldeiroes de todos os tamanhos, com tintas naturais. Mas depois disso, claro, fui levado para a loja deles, ali do lado. Ganhei mais um copinho de cha enquanto via as milhoes de pecas que eles tinham. Acabei comprando algumas coisas e fomos embora.

Voltamos pra loja dos rapazes e pedi ajuda para encontrar algum hotel barato, mas que fosse razoavel. Disseram que me ajudariam, sem problemas, mas o terceiro cara me perguntou se eu nao gostaria de conhecer o guru dele antes. Eu fiquei desconfiado e perguntei se eu nao teria que pagar por isso, mas ele disse que nao. Entao eu topei. Na hora de ir, porem, o cara do carro nao estava mais la e deveriamos ir de moto - so que tres na moto. Por sorte eu estava com a minha mochila e fiquei por ultimo, nao no meio... quando eu penso que as opcoes de meio de transporte indianos acabaram vem mais uma surpresa... nos passamos pelas vielinhas estreitas de Jaipur, das tipicas cidades indianas antigas, com direito a vacas, bodes, cabras e ratos no caminho, ate chegarmos ao tal guru, que tambem era dono de uma bela duma loja de joias. Conversei com ele, mas confesso que nao houve nada de especial. Eu apenas deveria voltar no dia seguinte de manha, pois ele me daria um pequeno amuleto.

Bom, apos isso, meus novos amigos me levaram a um hotel razoavel de um conhecido deles, que me cobrou 250 rupias (cerca de 12 reais). Logico que nao era as mil maravilhas e eu nem queria isso, mas tinha TV!

No dia seguinte os meus planos inciais era ir logo cedo no Jantar Mantar, para guardar os horarios todos possiveis para visitar os fortes das redondezas de Jaipur. So que eu deveria passar no guru as 11 da manha, o que atrapalhou todos os meus planos. Mas enfim, meus amigos passaram de moto pra me pegar no hotel e la fomos nos de novo, tres na moto, nas vielas apertadas de Jaipur. Ganhei meu amuleto e de la eles me deixaram num ponto de autoriquixa para ir ao Amber Fort, o maior e mais famoso forte de Jaipur. Estava la um riquixa parado, prestes a sair com um estrangeiro. Peguei junto com ele. No caminho, descobri que o rapaz era tcheco e que estava mochilando na India desde novembro, de norte a sul, leste a oeste.

Vi o Amber Fort, que realmente eh bem grande, mas infelizmente nao pude ir para outros fortes proximos, ja que eu deveria voltar para a cidade, ver, finalmente, o Jantar Mantar, e pegar o onibus de volta para Delhi. Pois foi o que fiz. Ao chegar de volta na cidade, descobri o quao perto estava o Jantar Mantar da saida do City Palace, que eu havia visto no dia anterior. Logico que se eu soubesse eu teria ido la tambem no dia anterior, e teria ganho mais tempo para ver mais coisas de cunho turistico. Mas por outro lado, nao teria conhecido aqueles caras, nao teria ido na cooperativa, nao teria conhecido o guru, nao teria andado de moto, a tres, em vielas apertadas com vacas, bodes e cabras, e nem recebido uma proposta de emprego na gangue... ah sim, e nao teria ouvido na voz de um indiano (no caso, o que estava dirigindo a moto), que a India eh incredible. Incredible India!!!

Entao vi, finalmente, o Jantar Mantar, gostei, e sai para andar mais um pouquinho na rua central. Vi tambem o famoso Hawa Mahal (Palacio dos Ventos), que me decepciou, e fui caminhando. Iria apenas comer alguma coisa e pegar o onibus. Na rua, porem, o Bali me aparece de novo, perguntando se eu nao queria almocar com eles. Aceitei. Entramos na loja deles, ficamos sentados no chao, enquanto um outro chegaria com o almoco. Quando o almoco chegou, eles fecharam a loja e comemos ali mesmo, no chao, e com as maos. Enquanto comiamos, de repente, uma tempestade de areia passou pela cidade, mas nao durou muito. Mas embora o vento forte tenha passado, o ar ficou completamente empoeirado e o sol desapareceu, inclusive na hora que eu fui pegar o onibus.

Esses foram meus meios dois dias em Jaipur, que do planejado quase nada aconteceu, e do nao planejado quase tudo ocorreu. O proximo relato, finalmente, sera sobre minha nao menos incredible experiencia no himalaia, que aconteceu no dia 3 de abril.

Om Shanti

31 março 2008

Indianizacao

Who is ele???

Fazendo what?????????????????!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

26 março 2008

Ibira na India - Parte 11

(Na vila de Fatehpur, quando errei o caminho para o terminal de onibus)

(Taj Mahal, no meu unico dia nublado de India)

(Vista da casa do meu amigo Roni)

Bom, como disse, nesse relato descreverei mais detalhadamente algumas outras experiencias que tive durante a minha estada na capital indiana. Eu cheguei em Nova Delhi no dia 17 de fevereiro, e minha estada na capital terminara na proxima segunda-feira, dia 31 de marco. Ou seja, terei ficado um mes e meio nessa cidade, tempo suficiente para visitar quase todos os lugares (que sao muitos por aqui), mas, principalmente, tempo excelente pra conhecer distancias, precos, facilidades etc... como havia dito no outro relato, acabei pegando "as manha".

Enfim, deixe-me comecar pelo meu amigo Rohnit, mais conhecido por Roni. O Roni mora aqui em Delhi, mas em um bairro comum periferico, classe media baixa, mais pra baixa, e me convidou pra ir visita-lo em sua casa. Ele, muito educado, veio buscar-me no local em que eu estava hospedado e me levou ate seu bairro. Passei o dia com ele e sua familia, ate que, a noite, fui convidado para dormir la. Pensei: "Oba, vida indiana de novo!". E pensei mais um pouquinho: "Coco no buraco, limpar-se com a mao, comida indiana sem talher e mais um monte de outros detalhes..."... hhmmm, aceitei o convite, claro. Isso ainda era uma quinta-feira e acabei ficando na casa dele ate o domingo daquela semana, fazendo tudo de novo que uma verdadeira vida indiana recomenda. Mas a experiencia de vida indiana na capital eh um pouco diferente. Embora eles nao sejam de familia rica, nada disso, viver na capital, moderna, exemplar, faz a diferenca. Logo no primeiro dia fomos ao cinema e pegamos metro. Foi a primeira vez que usei metro e fui ao cinema na India. O metro eh absolutamente excelente, absolutamente. Mas claro, fui revistado na entrada, como todos devem ser, alem de ter sido revistado na entrada do cinema. La no cinema, alias, o policial ainda me pediu para ligar minha maquina fotografica e tirar uma foto pra provar que minha maquina fosse realmente uma maquina. Mas tambem, se fosse uma arma eu teria matado meu amigo, coitado, que estava bem na minha frente. Enfim, era apenas uma maquina fotografica.

Nos outros dias, todos os dias no final da tarde, o Roni ia na academia com seu primo, mas eu preferia ficar na casa dele. Os jovens da minha idade, principalmente das cidades grandes, estao todos indo na academia desde que os atores de Bollywood comecaram a aparecer gostosoes e sem blusa nos filmes nacionais. E tambem gracas ao filmes (mas claro, nao somente) as meninas indianas das grandes cidades tambem estao comecando a mudar o comportamento - e em alguns casos ate demais! A propria irma do Roni, por exemplo, pediu para tirar uma foto comigo, quando fomos ao cinema, e na hora da foto ela colocou as maos nos meus ombros! Foi uma grande surpresa pra mim, ja que as meninas indianas que tinha conhecido ate entao mal chegavam perto... e fora que ela vestia uma roupa plenamente ocidental, como grande parte das meninas de Delhi.

Bom, aproveitando o assunto, outro susto que levei em Delhi foi em relacao aos casais novos, de namorados. Os monumentos aqui na capital costumam ser em grandes areas, tipo parque, com gramados etc. Por conta disso, acabei vendo em todos esses lugares diversos casais de jovens sentados aos pes de arvores, o que era muito dificil de ver nos outros lugares que eu estava na India. Mais susto ainda levei quando vi alguns casais inclusive se beijando (o famoso selinho, claro, passar disso ja eh demais tambem...). Mas devo ressaltar que isso ainda so ocorre nesses locais, parques e monumentos, nao nas ruas e outros espacos publicos. Alias, muitos desses monumentos historicos de Nova Delhi foram apresentados para mim por uma nova amiga que fiz, indiana, que fala portugues. E fala um portugues incrivelmente bem, sem sotaque, alem de ela ser tambem dessa nova geracao de indianos ocidentalizados.

Agora deixe-me contar minha experiencia em Agra, onde fica o Taj Mahal... decidi que ia pra la de trem e nao fiz reserva, pois nessa epoca do ano a procura ja nao eh tao grande. Enfim, logo cedo, as seis e meia da manha, fui pra estacao e pedi o bilhete pra Agra no guiche. O moco falou que era 64 rupias (3 reais, mais ou menos), o que achei muito estranho, ja que Agra fica a 200km da capital. Pensei que pudesse ser o ticket do "general coach", o vagao economico, sem lugar marcado, sem conforto, sem ar condiconado, sem nada, onde so vai o povao. Pensei, pensei, pensei... e aceitei comprar esse ticket. Coitado de mim. Fui pra plataforma e nao tinha a menor ideia de onde parava esse tal general coach. O trem atrasou duas horas e, quando chegou, o vagao que eu deveria entrar estava bem longe de mim. Quando cheguei nele, coitado de mim de novo, ja nao havia mais absolutamente lugar nenhum, nem pra sentar e nem pra ficar em pe. Fui pro vagao do lado, de lugares marcados, e fiquei em pe, perto da passagem pro meu vagao (na India da pra passar de vagao pra vagao por dentro do trem). Depois de o trem comecar a andar passou o cara que confere os tickets. Na hora de ele conferir o meu, ele viu que eu estava no vagao errado e mandou eu ir pro outro; eu retruquei dizendo que nao havia absolutamente espaco nenhum pra mim, mas ele nao teve do e disse "va!". Eu simplesmente fui ate a passagem entre os dois vagoes, no maximo que pude ir, peguei uma folha de jornal da minha mochila, pus no chao, e sentei. Resumindo, fui pra Agra sentado no chao entre dois vagoes, durante cinco horas. E nao pensem que os indianos que estavam no vagao de lugares marcados gostaram disso. Eles tiveram do de mim, pediram que eu fosse sentar la com eles, que eu era estrangeiro, e estrangeiro na India eh como Deus, que isso que aquilo, mas eu nao podia fazer nada, havia pago apenas 3 reais...

Quando cheguei em Agra fui ver o Taj Mahal, logico. Qual nao foi minha surpresa (alem de ter de pagar injustas 750 rupias, ou mais de 35 reais) quando me comecam a cair gotas do ceu. Desde que estava na India eu mal tinha visto nuvens, e de repente, no dia de ver uma das novas sete maravilhas do mundo, o ceu me resolve chover. Mas por sorte nao passou de um chuvisco e pude ver o Taj. Mas o que mais gostei da viagem para Agra foi ter ido a Fatehpur Sikri, 40km dali, um complexo de palacios, simples ate, mas extremamente bem conservados em uma area relativamente grande, onde um dia foi a capital do rei Akbar, por meros doze anos, antes de ele se transferir para Agra.

De Fatehpur Sikri eu queria ir para Mathura, a cidade de nascimento do deus Krishna, e resolvi fazer o que nao esperava fazer: pegar onibus local, onde so tem coisa escrita em Hindi, e estrangeiro raramente tem coragem de fazer. Os onibus saiam da vila local, extremamente pobre, e era apenas descer ate ela e virar no terminal de onibus. E quem disse que eu virei pro lado certo? Virei pro lado errado e me meti nas ruazinhas apertadas e lotadas de moscas das tipicas vilas antigas da India. Andei quase dois quilometros, ainda achando que o lado era certo; e em cada lojinha eu ouvia um “hello!” pra mim. Acabei perguntando pra um menininho onde era a parada de onibus, e ai que ele me disse que era pro outro lado. Voltei tudo e encontrei o terminal, quando descobri que la nao parava o onibus que eu precisava. Fui ate o local certo e depois de um tempo passou o onibus e entrei. Tive que descer em outra cidade pra trocar de onibus, ate que, finalmente, acabei chegando em Mathura. Pegar onibus local sozinho ate que nao foi tao dificil; pedindo ajuda pras pessoas certas funcionou direitinho. E ainda, depois de ver a cidade de Krishna, voltei para Delhi de novo de onibus local, pagando o equivalente a 4 reais, para percorrer de novo 200 km.

Minhas experiencias mais relevantes em Delhi encerram-se por aqui. Semana que vem partirei para ver os pes do Himalaia e nao sei se conseguirei mandar relato tao rapido. Mas assim que puder mandarei minhas experiencias dessa terceira etapa de minha viagem, nos meus ultimos 15 dias de India.

Om Shanti Om

24 março 2008

Ibira na India - Parte 10

(Lotus Temple, da religiao Baha'i, Nova Delhi)
(Dilli Haat, feira de artesanato, Nova Delhi)

(Eu, comendo sanduiche vegetariano do Mc Donald's)

No meu ultimo relato de viagem eu havia acabado de chegar em Nova Delhi, no dia 17 de fevereiro, num domingo de manha. A primeira diferenca que notei, ainda na estacao, foi em relacao a temperatura – estava bem mais frio que no Maharashtra, mil quilometros ao sul, em direcao ao equador. O frio mesmo eu senti quando fui pegar o autoriquixa para a casa da Sandra. Para quem nao conhece, os riquixas sao abertos, e o vento entra com tudo... mas enfim, frios de lado, eu me impressionei com Delhi nos poucos quilometros entre a estacao de trem e a casa da Sandra. Notei logo nos primeiros metros que a capital da India nao pode ser comparada com o resto do pais; ou ao menos com o tanto que eu tinha visto e vivido ate entao. Ruas largas, calcadas, sinalizacoes, parques floridos, pessoas (homens, mulheres e criancas) vestidos a maneira ocidental, carros modernos, metro e obras por todos os lados... Delhi era muito diferente do que eu tinha visto ate entao...

Cheguei logo na casa da Sandra, passando um pouco de frio... ainda de manha, com um pouco de vergonha, contei que tinha tido minha primeira (in)diarreia e que precisava dar um pulinho no banheiro, pois no trem, agora conto, segurei o tempo todo... mas por sorte ja estava passando.

Logo no primeiro dia eles me levaram no Dilli Haat, uma especie de feira de artesanato muito bem organizada, num lugar fechado, com produtos e comidas de toda a India. La eu vi indianos ricos que nem olhavam pra mim, eu vi turistas de monte, grupos de amigos mistos, com garotos e garotas, uma India ocidentalizada que eu ainda nao tinha visto... nao me sentia um ET, pela primeira vez na India. Tambem logo na primeira semana fiz uma coisa que jamais esperava fazer, mas que quando soube que existia eu nao pensei duas vezes: comi o sanduiche vegetariano do Mc Donald's da India.

Em Delhi as minhas experiencias nao aconteceram com tanta intensidade quanto aconteciam antes de chegar na capital. Tive mais tempo ocioso, visitei os locais com calma, pude ir e voltar aos mesmos lugares... no entanto, embora eu tenha tido menos intensidade de experiencias, acabei tendo a maravilhosa oportunidade de viver a cidade com calma, podendo conhece-la, ao mesmo tempo que tambem acabei conhecendo os indianos com muito mais profundidade. O resultado disso eh que em Delhi acabei ficando malandro... finalmente! ;)

Embora minhas experiencias anteriores tenham sido riquissimas para mim, eu nao estava fazendo praticamente nada sozinho; sempre tinha um amigo la para fazer as coisas por mim. Em Delhi nao, embora a Sandra tenha me acompanhado em alguns lugares, houve outros que fui sozinho, me virei sozinho, e acabei, finalmente, aprendendo como lidar com os indianos na maneira mais apropriada. Logo aprendi como barganhar bem o preco dos autoriquixas, dos produtos nas feirinhas, de tudo... um mes passado aqui na capital, posso dizer que devo ter conseguido repor o dinheiro perdido naquele mal falado hotel de Mumbai que me enganou e cobrou quase 3000 rupias no meu primeiro dia de India... em situacoes extremamente engracadas, quando queria voltar pra casa, saindo de algum monumento, por exemplo, o primeiro motorista de riquixa que eu perguntava me cobrava 200 rupias, e eu na hora passava pro do lado, que cobrava 150, e depois pro outro, e pro outro, e pro outro, ate que conseguia o preco mais do que justo, de 50 ou 60 rupias, dependendo do caso. Pra voces terem uma ideia, 200 rupias sao 10 reais, enquanto que 50 sao 2,50 reais. E eu chamava todos de loucos quando me cobravam esses absurdos. Pior ainda eh que quando eu falo que eu sei que o preco justo eh 50 rupias e eles fazem uma cara de indignadissimos, de ofendidos, tentando ate assustar a gente, enquanto tudo nao passa de uma grande encenacao que eles fazem pra enganar. Mas eles nao me enganam mais.

Mas voltando a Delhi, muita coisa me impressionou por aqui. Essa cidade tem um numero imenso de monumentos, por todos os lados, em todos os cantos, de todas as epocas. Sao desde ruinas das sete Delhis que existiram desde 1190 ate a construcao de Nova Delhi, no seculo XX, passando por templos novos maravilhosos, como o Lotus Temple e o Swaminarayan Akshardam, e tambem por predios e monumentos do governo na parte planejada da Nova Delhi. Eu nao me cansei de visitar cada um desses lugares, e vou embora da capital sem ter visto ainda algumas dessas ruinas e alguns museus. Sao muitos, mas muitos lugares pra visitar, com muita historia em cada um deles.

Nesse depoimento de hoje preferi deixar as minhas impressoes de Nova Delhi. No meu proximo relato eu vou descrever um pouco melhor algumas outras experiencias que tive aqui na capital, algumas em parte relacionadas a vida indiana em si, outras relacionadas a modernidade dessa cidade e tambem do dia que fui a Agra.

Om Shanti Om

21 março 2008

Ibira na India - Parte 9

(Fila para entrar no Taj Mahal, que durou quase uma hora por causa do desrespeito dos indianos que furam fila)
(Estrada Nacional, perto de Kolhapur, Maharashtra)


Hoje o meu relato nao sera um relato. Ao escrever meus depoimentos passados deixei de lado alguns detalhes, simplesmente porque esqueci de conta-los. Nao sao muitos, mas sao coisas muito importantes de se contar a respeito da vida indiana, do cotidiano e da cultura desse pais. Algumas outras coisas eu cheguei a comentar no primeiro e/ou segundo relato, mas que se repetiram ao longo dos meus primeiros 17 dias de viagem, quando encerrei meu oitavo depoimento. Entao algumas dessas coisas eu tambem apenas repetirei para que voces nao se esquecam que essas coisas acontecem rotineiramente na vida indiana comum.

Bom, vou comecar ainda pelo aeroporto de Londres, onde fiz escala para vir a India. Minha viagem a esse pais comecou, na verdade, la, no Terminal 4 do aeroporto de Heathrow. Ao descer no terminal, onde ficaria cerca de duas horas e meia, me assustei com a quantidade de indianos por todos os lados. Nao so havia indianos andando para todos os lados, embarcando para todos os destinos, mas tambem em todas as lojas do terminal (que parecia um shopping) havia indianos como vendedores e/ou gerentes. Foi um absoluto susto inesperado – eles realmente dominam o Terminal 4.

Depois de ja estar aqui na India e passar pelo susto do primeiro dia de Mumbai, minha primeira situacao embaracosa em termos de diferencas culturais foi na vila de Parshuram, na casa do Sankalp. Nao tem a ver com comer com a mao no chao, tomar banho de baldinho ou fazer coco no buraco e limpar-se com a mao. Tem a ver a pos-refeicao. Na primeira noite em Parshuram jantou conosco a vizinha do Sankalp, uma senhora de cerca de 60 anos ou mais. Ao terminarmos a janta, ela me solta um belo de um arroto. Foi o primeiro que ouvi, e foi extremamente dificil de segurar a risada. Ainda por cima porque ali estava tambem minha amiga brasileira – eu sabia que se eu olhasse para a cara dela eu morreria de rir. Numa outra oportunidade a cena se repetiu e, inafortunadamente, olhei pra minha amiga. Eu sabia, nao podia olhar pra ela. Nos dois percebemos que nao podiamos ter olhado um ao outro e, alguns segundos passados, falamos qualquer coisa para nos dar qualquer motivo para que caissemos na gargalhada. E caimos. A situacao foi bem embaracosa, mas acho dificil que tenham desconfiado o motivo de nossa gargalhada. E depois quando ouvi umas, digamos, flatulencias... embora em menor intensidade que os arrotos, os famigerados “peidos” tambem acontecem...

Ainda em Parshuram presenciei outra cena que me chocou um bocado, e que vi pelo resto da India, em todas as casas. A limpeza do chao eh feita com um ramo de alguma palha, mas geralmente eh sem um cabo longo, o que obriga a mulher (porque praticamente somente elas fazem isso) ficar absolutamente encurvada. Nao so bastasse isso, ate hoje nao vi rodo aqui na India, o que significa que, quando passam o pano molhado no chao, fazem com os proprios bracos, com as pernas esticadas e as costas dobradas para frente. Nao eh a toa que eh muito comum encontrarmos idosas completamente corcundas por aqui.

Depois, ja em Ashta, um dia vimos num barranquinho um cranio humano com dois ossos cruzados na frente – aquela imagem famosa dos piratas – e uns potes com algumas coisas. Era uma cena bem semelhante a nossa macumba. A explicacao que me deram daquilo coincidiu exatamente com os objetivos da macumba, o que nao esperava haver na India. Apenas depois que vim a saber que isso esta relacionado a uma manifestacao do Tantra.

Outra coisa que ja falaram em depoimentos varios por aqui, mas que vale a pena repetir, eh o tal balanco de cabeca indiano. Ao dizer sim, balancam a cabeca para os lados, mais ou menos como nosso nao, mas mesmo assim diferente. Quanto mais ao sul mais intenso eh esse balanco. Em alguns momentos isso pode gerar confusao, mas no fim das contas ate a gente acaba pegando o jeito. Alias, recomendo a todos que forem passar mais tempo na India a se adaptarem com os jeitos, gestos e sotaques locais; so assim eh possivel ser menos enganado e mais compreendido. E a viagem fica muito mais divertida.

Como rodei por muitos lugares, seja sozinho, seja com amigos locais, seja por vilas inexploradas, seja por locais turisticos, vi muitas estradas diferentes. Mas todas, absolutamente todas, nao merecem reclamacoes. Em muitas estradas enfiadas no meio do nada, absolutamente nao turistica e que so servem para os agricultores pobres locais, havia asfalto em perfeitas ou boas condicoes. As estradas nacionais sao bem conservadas, embora nao tao largas e boas quanto algumas do estado de Sao Paulo, no Brasil. Algumas dessas estradas, inclusive, sao de concreto. Nas cidades nao posso reclamar das ruas. De forma geral o asfalto eh excelente e muitas vezes eh tambem de concreto. Claro que ha muito transito nas cidades maiores, mas nada muito diferente de Sao Paulo. Mumbai eh disparado a pior cidade da India em termos de transito, mas ainda assim insisto, nao esta longe de Sao Paulo. Embora o transito possa parecer mais caotico ainda que Sao Paulo, o que ocorre eh que eles se entendem e as coisas acabam fluindo. O problema eh para nos ocidentais que nao entendemos e achamos ser caotico e absurdo.

Eu tinha reparado logo no comeco que os monumentos historicos nao eram muito bem conservados, ou que a conservacao era feita de maneira diferente da que a gente esta acostumado no ocidente. Isso eh fato e fui ter certeza quando cheguei aqui em Delhi, cidade com inumeros monumentos. Deixarei para falar mais sobre isso nos relatos que se seguirem, ja sobre minha estada em Delhi.

So pra relembrar, praticamente em todas as casas indianas deve-se tirar o sapato. Dependendo da familia e da tradicao, se dermos dois passos dentro da casa com sapatos estaremos cometendo uma tremenda ofensa. Em relacao aos templos, nao ha excecao; seja templo hindu, seja sikh, muculmano ou budista, em todos deve-se tirar os sapatos. Nesses casos, eh de grande valia vir para a India com uma papete, justamente para essas situacoes todas que se repetem sempre. Eh um tanto desagradavel, e chega a ser ate um mico, ficar desamarrando o sapato, tirando a meia, e depois colocando a meia de volta e amarrando o sapato em cada uma dessas situacoes.

Outra coisa importante: ao vir a India todos devem estar preparados para serem revistados em todos os lugares possiveis. Isso comecou comigo no aeroporto e so vai terminar no aeroporto de novo, na hora de ir embora. Tem lugares, templos muito importantes, por exemplo, que sao feitas tres revistas na gente, alem de termos de abrir malas e mochilas que estivermos carregando. Ja fui revistado em entrada de fortes, templos, mesquitas, ruinas, metro, cinema... tudo por causa do terrorismo que hora ou outra resolve atacar por aqui...

Agora vou dizer uma coisa importante que pode ser dificil para alguns escutarem. Como eu disse logo no meu primeiro ou segundo relato, ao vir a India eu decidi que estaria aberto a experimentar tudo aquilo que viesse no meu caminho, procurando viver a verdadeira vida indiana e assim (tentar) compreende-la. Eu de fato fiz o maximo que pude neste sentido, e continuo fazendo ate hoje. Percebi que vir a India como um turista normal faz nao eh suficiente para revelar o que eh este pais e este povo – e dai os comentarios grossos e preconceituosos sobre a India acabam facilmente surgindo. Ficar em hotel cinco estrelas, andar sempre de taxi e ir somente em lugares realmente turisticos, a la Taj Mahal, vai mostrar uma India bonita para turista ver, mas o resto da sociedade em volta nao se esconde. Por isso esse pais choca tanto, porque as pessoas vem para consumir monumentos e nao para entender uma sociedade milenar, por mais estranha que possa parecer pra gente. Ficar numa bolha pode ser confortavel, mas nao nos da o direito de criticar. E afinal, eles tem no minimo 5 mil anos e nos 500. Eles tem 1,2 bilhoes de pessoas, enquanto que a populacao do Brasil eh apenas a virgula deles.

Por fim, apenas gostaria de dizer a respeito de uma coisa que fui obrigado a me adaptar, mas com muita relutancia e ate hoje fico triste com isso. O indiano comum eh muito mal educado; mesmo que seja ele bem educado, e conosco seja muito atencioso e respeitoso, socialmente ha muito desrespeito. Nao se fala obrigado e por favor, por exemplo, mas isso eh o de menos. Em locais em que deveriam haver filas elas simplesmente nao existem porque todos querem chegar na frente; nao se trata nem de furar fila (o que tambem acontece), mas o que ocorre eh que todo mundo vai na frente ao mesmo tempo. O resultado eh que nos, ocidentais, tentando esperar a nossa vez, acabamos esperando o dia inteiro se tambem nao nos metermos na frente dos outros, desrespeitando ordem, genero e grau. Ate hoje ainda reluto comigo mesmo, mas eh inevitavel nao ser como eles nesses momentos se eu realmente quero aproveitar as coisas da India. Isso ocorre tanto em locais como metro, quanto em locais como templos extremamente sagrados.

Om Shanti Om

18 março 2008

Higiene Bucal

(Eu e Ibira usando o po dentifricio ayurvedico)

Namaskar


Nas cidades usamos escova de dente e creme dental para fazermos a higiene bucal basica. O fio dental ainda eh pouquissimo utilizado pelos indianos. No entanto, eles utilizam o raspador de lingua que eh pouquissimo utilizado no ocidente.


Na parte rural e vilarejos pobres as pessoas nao tem acesso a escova e creme dental e a higiene bucal eh feita utilizando-se o po dentifricio ayurvedico. Esse po eh feito a base do carvao, onde sao misturadas diversas ervas que conferem ao po preto um sabor agradavel e levemente abrasivo. No fim das contas, o resultado sao dentes mais brancos, com efeito semelhante ao bicarbonato de sodio que algumas pessoas usam no Brasil.


A aplicacao do po eh feita somente com o dedo indicador da mao direita, ou com uma especie de escova feita com ramos de plantas locais.
No video do post abaixo voces podem ver a demonstracao de utilizacao desse po feita por Ibira, porem utilizando-se escova de dentes normal.


Incredible India!


Om Shanti

17 março 2008

Ibira na India - Parte 8

(Buda, cavernas de Ajanta, Maharashtra)
(Daulatabad Fort, Maharashtra)

(Ranguli feito para mim em frente a casa)



Apos eu e Pradeep sairmos de Shirdi, por volta do meio dia, fomos para a vila/cidade em que moram os tios dele. Embora em quilometros essa vila nao fosse tao distante, levamos pouco mais de seis horas pra chegar la, pois nao so pegamos onibus local, que para em todos os lugares possiveis e nao eh tao rapido e eficiente quanto o Volvo, mas tambem passamos por estradas muito estreitas e sinuosas. Quando chegamos na cidadela ja era noite. Fomos andando pelas ruelas da parte antiga ate chegarmos em frente a uma casa um pouco maior que as demais – era a casa dos tios de Pradeep. Na rua, em frente a escadinha que dava na varanda da casa, uma surpresa: um ranguli havia sido feito especialmente para dar as boas vindas para mim. Ranguli eh uma especie de mandala feita com areia fina colorida, geralmente desenhada na entrada dos lugares em ocasioes especiais para dar boas vindas aos convidados, por exemplo.

Ao entrarmos todos nos esperavam. Imediatamente trouxeram o famoso cha indiano (ainda bem que, pra mim, esse cha eh gostoso...), enquanto comecei a ser alvo de perguntas triviais e que seria a enesima vez que estava respondendo. De onde voce eh? Por que esta na India? Por quanto tempo? O que voce mais gostou ate agora? E a comida indiana, gostou? O que voces comem no Brasil? E por ai vai...

Pouco depois teve a janta, no chao e com as maos, claro. Apos jantarmos o Pradeep me levou para a casa de outra tia dele, ali pertinho. Era uma casa muito pequena, na verdade porque havia sido dividida ao meio para dar espaco a clinica da tia, que eh medica. Na casa havia apenas mais o marido e o filho deles, Rakul, de 14 anos. Serviram mamao picado pra mim, com mais uma chicara de cha indiano. Enquanto isso, o marido da tia me perguntou se eu conhecia o mamao e se tinha tanta fruta no Brasil quanto na India. Disse que sim, e que na verdade no Brasil ha muito mais variedade de frutas e vegetais do que na India... dessa vez nao consegui segurar. O filho deles so me ouvia, mas nao falava nada; mas isso ficou assim ate ele descobrir que eu era formado em Geografia, a materia preferida dele. Imediatamente ele chegou com dois atlas escolares para me mostrar os mapas tematicos da India, e me explicou tudo. Depois quis que eu explicasse sobre o Brasil, o que produziamos etc... experiencia simples mas absolutamente inesperada.

Fomos dormir. No dia seguinte acordariamos cedo pois teriamos mais um dia corrido. Por sorte o tio do Pradeep emprestou o motorista dele para a gente e assim Rakul pode vir conosco, no carro velho da decada de 50/60. Antes de sairmos de casa, a tia do Pradeep veio ate nos colocar um tilak em nossa testa e deu-nos uma nota de 50 rupias para cada um - eh um ritual para desejar boa viagem. O primeiro lugar que paramos foi o Daulatabad Fort. Eram ruinas de uma cidadela murada dos anos 1600, mas que foi muito interessante de ver, principalmente por seu avancado nivel de seguranca para a epoca. Mas como muitos lugares do genero na India, essas cidadelas viram lugares fantasmas logo apos o rei morrer, principalmente porque cada novo rei queria construir a sua propria cidade, com seu proprio nome. O bom eh que agora, no seculo XXI, temos muuuuitas coisas a ver...

Apos o Daulatabad Fort fomos para um dos lugares mais impressionantes e valiosos que vi ate agora na India: as cavernas de Ajanta. Ajanta eh um conjunto de 29 cavernas inteiramente esculpidas na rocha por monges budistas, sendo algumas escavadas para serem especies de monasterios, enquanto outras eram locais de meditacao. Os mais antigos datam do seculo II antes de Cristo e os mais recentes do seculo VII depois de Cristo. Sao os mais antigos, porem, os mais importantes, nao so pela data, mas principalmente por conterem paineis pintados com um detalhismo impressionante, contando a historia de Siddharta Gautama e depois de ele virar Buda. Tambem impressionou o fato de o local estar, agora, extremamente bem conservado e com excelentes estruturas de preservacao e iluminacao interna para nao prejudicar os murais.

Depois de sairmos de Ajanta fomos para Jalgaon, onde dormiriamos na casa de outros familiares do Pradeep. No caminho passamos por estradas de novo estreitas e sinuosas e cruzamos diversas vilas extremamente pobres. Isso, na verdade, nao era novidade pra mim. Novidade foi quando, pouco antes de cruzar uma dessas vilas, apos o sol baixar, senti um forte cheiro de coco. Olhei para a beira da estrada e percebi inumeras pessoas agaixadas, em ambos os lados da pista, fazendo as suas necessidades ali mesmo, cada qual com seus respectivos baldinhos com agua. O mesmo se repetia do outro lado da vila, e em todas as outras vilas que cruzei naquela noite, antes de chegarmos em Jalgaon.

Jalgaon eh uma cidade grande. Quando chegamos na casa dos outros familiares do Pradeep, adivinhem, serviram cha indiano, claro. Era a casa mais rica que estava ficando ate entao na India, nao muito grande mas com todo o conforto; mesmo assim, logicamente, havia cama na sala, como (quase) sempre. Jantamos e fomos dormir. No dia seguinte eu deveria estar ao meio dia na estacao de trem mais proxima dali, pois, finalmente, partiria para Delhi, mais de mil quilometros dali. Quando acordei, no sabado, dia 16 de fevereiro, estava com dor de barriga. Pensei: “Puxa vida, sera?”. E sim, foi, estava com diarreia bem no dia em que ficaria 17 horas dentro de um trem. Nao contei pra ninguem na casa. As 11 da manha me deram almoco, que tive que comer correndo e estava sem fome, alem de tudo, por causa da dor de barriga. Depois de 16 dias de India os germes hindustanis me venceram.

Enfim, fui a estacao e peguei o trem, que atrasou so um pouco. O trem era do mesmo estilo que o primeiro que eu havia pego de Mumbai para Chiplun, com lugar para dormir em nichos de seis pessoas. No lugar em que eu estava nao havia ninguem com cara de que quisesse conversar. Porem, por sorte, um rapaz perguntou se eu nao podia trocar de lugar com ele, pois assim ele poderia ficar junto do amigo. Disse que sim, sem problemas; afinal, minha unica preocupacao ali era minha dor de barriga... acabei tendo sorte, no final de contas. No nicho em que acabei ficando tinha um senhor com seus dois filhos (um homem e uma mulher, ambos com mais de vinte anos). Esse senhor, depois de um bom tempo, acabou puxando assunto comigo e disse estar preocupado, pois notava que eu nao estava comendo nada – eles comiam alguma coisa a cada estacao que o trem parava. Apenas disse que nao estava com fome e agradeci a preocupacao. Ele perguntou mais algumas coisas basicas, mostrou que sabia ate alguma coisa sobre o Brasil, mas ficamos nisso. Apos mais algum tempo, de repente, quando paramos em alguma estacao qualquer, ele desceu e voltou com um cacho de uva e uma mexirica pra mim. Embora sempre me recomendassem nao aceitar nada de ninguem nos trens, nao recusei as frutas e comi. Mais um tempinho passado e o mesmo senhor, de novo, comprou pra mim um cha indiano que passam vendendo dentro do trem. Agradeci, ate envergonhado, pois assim parecia que eu era um pobre coitado; mas a verdade eh que indiano, quando eh educado e atencioso, ele sabe fazer isso direito, realmente. Depois de mais um tempo ajustamos nossas “camas” e dormimos.

As sete da manha do domingo seguinte, 17 de fevereiro, estava eu chegando em Nova Delhi, finalmente. Agradeci imensamente a preocupacao daquele senhor, despedi-me e fui embora, para mais uma etapa da minha viagem.

10 março 2008

Ibira na India - Parte 7


Terminei meu ultimo relato dizendo que eu e Pradeep partimos juntos para visitar alguns lugares famosos do Maharashtra. Naquela manha nos pegamos um trem perto da casa dele, em direcao a rodoviaria de Pune. Era trem urbano – primeira vez tambem com essa experiencia –, mas bem diferente dos do Brasil. Nos iriamos pegar onibus normal, aqueles do Maharashtra que ja tentei descrever antes – nao seria um Volvo dessa vez. Alem disso, para o local que iriamos primeiro levariamos algumas varias horas pra chegar, ja que nao tinha estrada reta e direto para la, alem do onibus nao ser dos mais velozes.

Chegamos em Tryambakeshwar depois de viajar o dia inteiro e trocar de onibus uma vez em algum lugar no meio do nada. Nessa parada em algum lugar no meio do nada nos tambem jantamos; comi comida de beira de estrada indiana, alem de beber a agua sabe Deus vinda de onde. Ja tinha feito isso antes com os meninos, na verdade, mas nessa viagem com o Pradeep tive que me sujeitar a situacoes bem mais, digamos, de risco para um estrangeiro nao acostumado as condicoes locais – refiro-me aos germes locais etc. Eu nao poderia seguir as recomendacoes recebidas – principalmente por parte de meus pais – de nao beber agua que nao fosse mineral e de tomar cuidado com a higiene, por exemplo. Nao que eu nao tomasse cuidado com a minha propria higiene, mas comendo nessas condicoes que comi, por exemplo, o cuidado com a higiene estava fora do meu alcance. E me recusei a pedir agua em garrafa se em todos os lugares que entramos na India nos servem um copo de agua sem que se cobre por isso.

Bom, voltando a Tryambakeshwar... era ja meia-noite e a cidade dormia. Fomos parando de pousada em pousada procurando vaga e nao encontravamos. A cidade eh um lugar extremamente sagrado no hinduismo, especialmente para os seguidores de Shiva; alem desse existem outros onze templos assim (com uma jyotirlinga) na India inteira. Mas alem disso, nessa cidade nasce o rio Godavari que, segundo diz a lenda, eh a manifestacao do rio Ganges no sul, o que da a ele o status de segundo rio mais sagrado do pais. Por isso o local vive cheio de peregrinos e com todas as vagas ocupadas, mas acabamos encontrando a nossa.

No dia seguinte cedinho ja saimos da pousada para ir ver o templo. Ja estava cheio antes das sete da manha. A verdade eh que pulamos uma etapa importante. O correto seria banhar-se nas nascentes do Godavari no local feito especialmente para isso, fora do templo, para entrar la ja purificado. Nao fizemos por dois simples motivos: meu amigo quis poupar-me e estava fria aquela manha. Depois de vermos o templo ja partimos dali e fomos direto a Nasik.

Nasik tambem eh banhada pelas aguas do Godavari e eh, de novo, um local muito sagrado para o hinduismo, mas dessa vez nao so por conta do rio. La ocorre um dos quatro Kumbh Mela que acontecem a cada doze anos na India. A lenda diz que um dia os demonios e os deuses fizeram um acordo e resollveram parar de brigar. Para tanto iriam dividir o nectar sagrado (amrit); quando ele chegou os demonios roubaram o nectar e, por doze dias (doze anos terrestres), demonios e deuses lutaram . Na batalha quatro gotas do nectar cairam sobre a terra – e sao, portanto, os quatro lugares em que ocorre o festival do Kumbh Mela a cada doze anos. Para se ter uma ideia da importancia desse festival, o ultimo que teve em Nasik (2001) reuniu, durante pouco mais de um mes de duracao, cerca de 70 milhoes de pessoas. Isso porque esse nao eh o maior. Alem do Kumbh Mela e do Godavari, a cidade tambem tem outra importancia: uma das lendas diz que a deusa Sita, esposa do deus Rama, foi sequestrada ali em Nasik, e sua casa esta preservada ate hoje.

Enfim, lendas aparte, o que importa eh que, carregando malas, andamos pela cidade e fomos em todos os pontos importantes. Inclusive lavamos pes, maos e rosto nas aguas do Godavari, onde outras pessoas faziam suas oferendas e rituais. Pouco a frente do rio, ja fora da area de purificacao, mulheres lavavam suas roupas. Ao lado, uma feira livre no chao. Vacas andando no meio. Muito barulho. India.

De Nasik partimos para um templo de Durga no meio de um penhasco no meio do nada. Fomos de onibus ate o alto de uma montanha, onde paramos na vila. De la tivemos que escalar o penhasco numa escadaria, ate atingir o templo. O diferente disso eh que tinhamos que usar um capacete para subir a escadaria, pois nao ha muito tempo algumas pedras soltaram-se do penhasco e destruiram parte do templo. Por sorte ninguem morreu, mas o templo parecia ter sido bombardeado.

De la iriamos direto para Shirdi. No entanto, pegamos o onibus errado e tivemos que parar num entroncamento de estrada no meio do nada. Havia uma barraquinha preparando alguma coisa qualquer, bem do tipo de que turista nenhum se arriscaria a comer em momento algum da vida. Pois Pradeep comprou um pouco daquela coisa qualquer e comemos. Eu estava mesmo com fome. Finalmente o onibus correto passou e fomos pra Shirdi, onde, de novo, so chegamos tarde da noite. Shirdi eh a cidade do primeiro e original Sai Baba (morto em 1918), e que uma parcela enorme da populacao indiana eh devota. O outro Sai Baba (Satya Sai Baba), que diz ser reencarnacao do primeiro, eh mais famoso so no ocidente. Na India eles cansaram de suas promessas nao cumpridas, de seus milagres desconstruidos, de sua filosofia que nao bate com a do primeiro. E devo dizer: ate o presente momento, o templo com mais devotos que vi ate agora na India sem ser em celebracao especial foi o do Sai Baba de Shirdi.

Quando chegamos na cidade nao encontramos vagas em absolutamente hotel algum. Havia um enorme centro de recepcao para os devotos, da propria instituicao mantenedora do templo, que possuia inumeros leitos, mas qualidades das mais basicas possiveis. Era nossa ultima opcao. Ao chegarmos la, juntos com familias inteiras que vinham de longe, disseram-nos que nao havia vagas para dois. Porem, ao descobrirem que uma pessoa (eu) estava vindo de tao longe para ver o templo do Sai Baba, disseram que poderiam dar um jeitinho. E deram o tal jeitinho; arranjaram um quarto pra gente que seria pra quatro. Coitada da familia de quatro pessoas que ficou sem vaga... dormimos em cama bem simples, mas suficiente para descancarmos. No dia seguinte cedo fomos ao templo ter o darshan do Sai Baba (em sanscrito, essa palavra, darshan, significa “ter a visao do divino”, ou seja, nesse caso, ver a estatua do Sai Baba no altar do templo), o que durou segundos, pois, pelo tanto de gente, tinhamos que ser muito rapidos. E dali, de novo, partimos para outro lugar, que vai ficar para o proximo relato, eh claro.

Om Shanti Om
Fotos: Vista do templo de Durga; Nasik, as margens do rio Godavari.

05 março 2008

Ibira na India - Parte 6


Na segunda feira, dia 11 de fevereiro, fui embora de Ashta. Confesso que nao foi muito facil ir embora depois de duas semanas com o Sankalp e seus amigos. O problema maior eh que eu sabia que nao teria mais as experiencias que tive com eles, nem na India, nem no Brasil. Enquanto no Brasil os jovens da minha idade querem sair pra tomar cerveja, os da India saem pra tomar cha. Enquanto os jovens do Brasil nao param de falar de mulher (entenda-se bunda, peito e companhia), os da India falam de qualquer outra coisa. Nem o criquete, que eh absurdamente paixao nacional, nao eh tao assim assunto entre eles, como eh o futebol no Brasil. Acho que eu estava precisando conviver mais com pessoas um pouco mais inocentes… e os jovens indianos sao o que os brasileiros nao sao nesse sentido…

Bom, deixa eu contar um detalhe da minha partida de Ashta para Pune. Seriam sete horas de onibus, entao meus amigos me disseram que eu iria de Volvo, que o Volvo eh o melhor, que nao tem onibus na India melhor que os tal de Volvo (e eles que falam Wolwo e eu nao entendia que raios de Wolwo era esse, ate lembrar-me que o ‘v’ deles eh meio ‘w’). Que bom, pensei, vou de Volvo e nao eh caro (e dessa vez nao era mesmo, ninguem me fez de troxa). Porem, quando chegamos na rodoviaria e eu vi o tal do Volvo, me segurei pra nao dar risada na cara dos meus amigos. Confesso que houve momentos, como esse, que preferi nao falar nada do tipo que no Brasil eh melhor so pra nao tirar o barato dos meninos, que falavam com tanto gosto. O onibus de fato era confortavel e melhor do que todos na India, mas nada se compara aos que temos no Brasil, aos nossos Marcopolos e cia. Tudo depende dos parametros; comparando com os onibus comuns indianos, realmente esse Wolwo era um palacio.

Bom, e la ia eu pra mais uma jornada na Incredible !ndia, encontrar com mais um amigo online que nunca tinha encontrado ao vivo na vida. Pelo menos esse eu tinha visto foto. Pelo combinado, ele estaria me esperando na rodoviaria de Pune. Porem, quando la cheguei, onde estava o danado do Pradeep? A rodoviaria lotada, todos me olhando e eu me enfiando num canto esperando por meu amigo. Finalmente ele apareceu – disse que estava no transito, por causa das obras. Fui descobrir que Pune estava toda em obras de alargamento de avenidas, corredores de onibus, pontes, predios, ruas, casas… ate que li a placa dizendo: “Welcome to Pune, the fastest growing city in the world”. E de fato, dada a quantidade imensa de predios residenciais novos sendo construidos por todos os lados, Pune promete. So o que que nao sei.

Pradeep me levou pra casa dele, um apartamento novo, num bairro novo, com predios novos por todos os lados. E muita poeira de muitas novas construcoes acontecendo por ali. Sugeriu almocarmos e fomos de moto. Ainda nao tinha experimentado moto na India, dentre os tantos meios de transporte disponiveis nesse pais. A sensacao foi bem interessante, mas talvez seria mais nao fosse a tentativa do governo de Pune de disciplinar o transito, impondo (com uso de guardas e apitos) a funcionalidade dos semaforos. Esse mesmo amigo uma vez me disse, enquanto eu ainda estava no Brasil, que ele estava aprendendo muito com Gandhi e que uma das coisas que ele tinha aplicado na vida pratica dele era parar nos semaforos enquanto ninguem parava. Eh o que eu digo, a questao sao os parametros.

Naquela noite ele resolveu me levar num templo numa vila proxima. A vila de nada tinha de vila, porque a cidade ja tinha chegado e a engolido. Mas o que foi mais interessante eh que estava acontecendo algo muito especial no templo que nem o Pradeep sabia. O templo era para o guru do Shivaji – que foi o maraja mais importante da historia do Maharashtra –, que acabava de completar 400 anos. Quando entramos no templo havia velas acesas por todos os lados e nos tinhamos que colocar as nossas tambem, o que fizemos. Demos uma volta no templo conforme manda a tradicao e, quando estavamos indo embora, cade a chave da moto?? A chave havia desaparecido e nao sabiamos o que fazer. Procuramos, procuramos e procuramos e nada. Uma hora depois, literalmente, houve um show de fogos e descobrimos que comecaria um kirtan especial no templo para a comunidade. Ja era mais de 21:00hs. Um kirtan eh um momento em que o povo se reune num patio para ouvir geralmente um sabio falar e cantar as cancoes devocionais. Para isso sempre ha nesse momento musicos com os instrumentos tradicionais indianos. Quando descobrimos que o kirtan ia comecar nos aproximamos para ver; mas, logico, ao me verem, nos colocaram bem em frente dos musicos – na verdade no meio deles. Nao entendi nada do que falaram, foi tudo em Marathi, mas valeu pela experiencia de ver algo extremamente indiano que ocidental raramente pode ver, principalmente pela musica. No final, quando iamos embora (de riquixa, ja que a chave tinha mesmo sumido), um sadu veio pessoalmente agradecer a minha presenca la.

No dia seguinte, depois de pegar a outra chave e resgatar a moto, fomos ao forte de Sinhagad, perto de Pune, que foi palco de uma das batalhas de Shivaji no seculo XVII, se nao me engano (e o primeiro forte foi construido ali no seculo XIV). Mas se nao fosse a vista, que eh maravilhosa, nao teria valido a pena ir ate la. O forte esta extremamente mal conservado, inclusive por conta das antenas de TV e radio que foram instaladas em cima do morro, no meio do forte. Uma pena, mas eh algo muito comum de se ver por aqui, como ja disse ao menos uma vez.

Naquela noite fomos jantar na casa de um amigo do Pradeep. Quando era meia noite comecou um lindo show de fogos de artificio perto dali, sem motivo aparente nenhum. Desde que estava em Pune esse ja era o terceiro show pirotecnico que via em menos de dois dias. E eis que o amigo do Pradeep comenta: “Isso eh sinal de duas coisas: a primeira eh o crescimento economico – as pessoas tao comprando coisas inutilmente, tipo fogos de artificio; a segunda eh a democracia indiana – todo mundo faz o que quer e quando quer, inclusive soltar fogos a meia noite”. Apenas dei risada.

No dia seguinte logo cedo eu e o Pradeep partimos para uma semana de viagem por lugares sagrados e historicos do Maharashtra, mas vou deixar para o proximo relato.

Om Shanti Om


Fotos: Vista e entrada do Sinhagad Fort

03 março 2008

Ibira na India - Parte 5




No meu ultimo relato eu havia dito que tinhamos ido pra Ashta, perto de Kolhapur, no sul do estado do Maharashtra, onde meu amigo estuda. Ah sim, me dei conta que eu nao disse o nome do meu amigo ate agora; o nome dele eh Sankalp. Pois bem, e era tambem meu aniversario, como disse. Chegamos na cidade a noite, entao nao pude ver nada direito. Para ajudar um pouquinho estava sem luz e ela so voltaria as 20:30 (para os que nao sabem, em todo e qualquer lugar da India ha cortes de energia repentinos e diarios; as vezes os cortes sao premeditados, com hora marcada, como foi o caso desse dia). Meu amigo mora num tipo de republica com outros cinco meninos da mesma idade (em torno de 20 e poucos anos) que estavam la, mas nao pude ve-los pela falta de luz. Logo saimos pra jantar com mais tres dos amigos de meu amigo e a refeicao proposta foi comida chinesa, o que aceitei de pronto pra dar uma mudada no cardapio. Quem dera... antes indiano soubesse mudar o cardapio; a comida chinesa nao passava de uma tentativa de macarrao chines com todos os temperos indianos possiveis...

Enfim, voltamos pra casa e, antes de chegar, vi que a luz tinha voltado. Pra que. Quando entramos em casa havia cerca de 20 indianos e um bolo esperando por mim. So nao tinha mais gente la porque acho que nao cabia, mesmo. Todos se avisaram por celular que um estrangeiro estava chegando e que era aniversario dele e, se indiano ja eh curioso ao extremo, imagine isso num lugar que nunca vai estrangeiros. E eu simplesmente morrendo de vergonha. Cantaram parabens pra mim e, no fim, a dona da casa (uma senhora, que tambem mora la) apareceu e me abencoou colocando um tilak na minha testa. Apos isso o bolo foi repartido e dividido entre todos e, depois de comerem e matarem a curiosidade sobre mim, os que nao eram daquela casa foram embora.

No dia seguinte tive a oportunidade de conhecer uma coisa bem interessante e tradicional da India. Nos tivemos que ir a Kolhapur, a 30km dali, onde estaria acontecendo o Stance 2008 na Shivaji University, a melhor da regiao. Esse evento nao acontece so ali, mas em toda a India, em varios lugares, em varios momentos, em varias escalas. Trata-se de uma especie de competicao entre os alunos, basicamente de conhecimentos gerais e performance individual. Os meninos foram participar e eu fui assistir. Mais uma vez me surpreendi positivamente com a estrutura montada que, embora com materiais simples, era muito bonita. E eu, mais uma vez um estrangeiro em lugar inusitado, fui outra vez um ET. E na hora do almoco, por exemplo, na tenda coletiva, queriam dar lugar na fila para mim como se eu fosse um deus, o que eu recusava veementemente, pois nao so nao queria privilegios como nao iria me separar de meus amigos, claro.

O Stance prosseguiu ate o dia seguinte, quando teve a premiacao. Embora a equipe dos meninos nao tenha ganho nada nas premiacoes gerais por equipe, o premio mais importante do evento - que considera o melhor desempenho individual somado a um ultimo desafio em que so tres pessoas participam - foi dado ao Sankalp. No ultimo desafio cada um dos tres finalistas individuais teve que falar sobre um mesmo tema por 15 minutos seguidos, sem que cada um ouvisse a explanacao do outro. O tema deles foi o mais novo lancamento automobilistico da India, o Tata Nano. E de fato Sankalp deu de 10 nos outros dois.

No dia seguinte, uma sexta-feira, estavamos de volta a Ashta e finalmente conheceria a faculdade de Sankalp. Como toda a universidade da India, o predio mais importante dali eh o da Engenharia, seguido pelo de Medicina Ayurvedica, que conta com um hospital, e o da Pedagogia. So ha essas tres faculdades ali. Bom, entrei pra conhecer o predio deles, da Engenharia, e me surpreendi negativamente e positivamente ao mesmo tempo. Por um lado, gostei de ver que eles possuem bastantes e modernos equipamentos, mas por outro lado, achei bem estranha toda a maneira com que as coisas sao dispostas ali. A verdade eh que naquele momento ainda nao conhecia a India direito, entao nao sabia ao certo que realmente a conservacao das coisas nao eh prioridade e nem tudo para eles precisa ser novo e confortavel. As salas de aula, por exemplo, sao lotadas; nao ha nem espaco para escrever no caderno, por exemplo, pois as carteiras ficam coladas umas nas outras e os alunos mais colados ainda entre si. Uma hora a luz acabou e o gerador ligou; o problema eh que o gerador ficava do lado da sala de aula, impedindo de ouvir o professor. Mais problema ainda eh que ninguem ligou pra isso e a aula prosseguiu, o que me leva a crer que ou ninguem ta ligando pra aula ou que eles ouvem melhor do que eu. Outro fato importante - mas que depois soube nao ser assim em todos os lugares - eh que, por ordens superiores, meninos ficam de um lado e as meninas de outro, alem de haver uniforme obrigatorio.

Depois de conhecer as instalacoes da universidade, fomos almocar na cantina. Enquanto estava la um homem veio conversar com meus amigos. Fiquei sabendo que ele queria saber quem era eu, de onde vinha, porque estava ali etc, e soube tambem que ele era medico do hospital ayurvedico dali. Me convidou, entao, para conhecer todo o hospital apos o almoco, o que fiz, claro. Assim que entrei la quase tropecei com mulheres pobres almocando no chao e o medico me explicou que o hospital nao so oferece almoco para elas como tambem oferece alguns tratamentos ayurvedicos para os alunos treinarem. Apos toda a visita ele quis me oferecer uma shirodhara, aplicacao de oleo ayurvedico quente na testa. Aceitei, claro. Meus amigos estavam acompnhando a visita e acompnharam a shirodhara, tambem. Qual nao foi minha surpresa quando ouvi barulhos de maquina fotografica (eu estava com os olhos vendados durante a aplicacao) e fiquei sabendo que havia uma fotografa que a universidade havia chamado por qualquer motivo, e o hospital havia prontamente aproveitado para tirar fotos do primeiro estrangeiro a pisar ali. Quando a aplicacao terminou ainda tive que posar com o medico. O medico ainda me disse para eu voltar naquele domingo e ganhar uma massagem ayurvedica completa, o que infelizmente nao pude aproveitar.

No domingo era aniversario do Sankalp e meu ultimo dia completo com eles. Pela manha fomos a um templo da regiao, onde vi meu primeiro elefante na India. A tarde decidimos ir visitar o forte Panhala, do seculo XV-XVI, perto de Kolhapur. Eramos dez pessoas e, pela primeira vez, havia duas meninas conosco. Uma delas estava la porque queria me conhecer e conversar comigo. Parte da familia dela eh catolica, do Kerala, sul da India, e, por isso, ela tinha uma mente mais aberta - segundo ela mesma. De fato nao era mentira; eu estava em um local com tradicoes ainda muito arraigadas e meninas em momento algum tinham vindo falar comigo. A outra menina que estava la era namorada de um dos meninos e, no maximo, eles ficavam de maos dadas - nada alem disso. Ter namoradas nao eh tao incomum assim (uns 20% deles tem), mas os pais nao podem saber de jeito nenhum, o que tambem implica em saber de antemao que praticamente com certeza eles nao se casarao. E o simples fato de a primeira menina ter ido so por minha causa foi um grande acontecimento para os meninos. Muitas vezes os assuntos entre eles e eu eram sobre os namoros no Brasil - e eu, tadinhos, falava tudo e as vezes em detalhes... ninguem manda perguntar, ne...


Fotos: Elefante num templo; almoco coletivo na Shivaji University (Kolhapur); e tilak na minha testa para o meu aniversario.

19 fevereiro 2008

Ibira na India - Parte 3


Quando acordei na minha primeira manha de vida realmente indiana tive novas experiencias muito interessantes e que me comprometi a experimentar.

A comecar, logo que acordamos os macaquinhos (sao tipo o Rhesus, pra quem conhece) estavam nas arvores atras da casa. Meu amigo disse pra irmos falar bom dia pra eles e alimenta-los com umas frutinhas secas. Assim fizemos e logo eles foram embora. Depois soube que todas as manhas eles vem fazer a visita. Enfim, enquanto la estavamos alimentando os macaquinhos, a mae do meu amigo nos chamou pra tomarmos o "cha". Pensei: "Oba, que legal, eles tomam cha no cafe da manha". Porem, quando vi a mae do meu amigo preparando o cha vi que as coisas eram meio diferentes. O cha em si sao umas folhas de cha preto colocadas no leite, junto de gengibre e cardamomo. Nada de cha com agua como eu pensava ate entao. Mas beleza, achei o cha uma delicia, repeti e ainda comi as bolachinhas que tipicamente acompanham os chas na India - e tanto melhor se elas forem mergulhadas no cha.

Em seguida fomos a casa da vizinha e repeti o cha e as bolachinhas uma vez mais. Meu cafe da manha reforcado estava bom, pensava eu. Mas eis que minha amiga brasileira que estava conosco disse: "Ibira, isso ainda nao eh o cafe da manha, voce sabe, ne?". Nao era o cafe da manha?? Virge maria.... e de fato, em seguida voltamos pra casa e la estava o cafe da manha do dia: Wara Pao. Wara eh tipo um bolinho de batata condimentado, do tamanho de uma coxinha, que eh comido com o Pao, um pao (com o acento til, por favor, que nao tem nesse teclado) redondo. E nao pensem que o negocio eh pequeno nao. Ainda repeti por insistencia da mae do meu amigo. Nossa senhora, se eu soubesse que o cha fosse so entrada nao teria nem comido as bolachinhas. Mas valeu a experiencia, como sempre.

Pior voces vao achar a experiencia seguinte a que me submeti e segui fazendo assim nos dias todos subsequentes. Devo dizer que ainda nao tinha feito o "numero dois" na India ate entao. Estava apertado, realmente, e aquela seria a hora. Meu amigo ja tinha me apresentado o banheiro (um buraco no chao com base de porcelana), o baldinho, a agua e o sabonete. Lembrei que eu tinha o papel higienico na mala. Mas de repente pensei que eu seria hipocrita demais em usar o papel higienico se eu mesmo estava pedindo ao meu amigo que me oferecesse a verdadeira vida indiana, o real cotidiano deles. Entao por que nao baldinho com agua apos fazer as coisas no buraco?? Pois foi o que fiz e achei a coisa mais simples e limpa. A gente poe a mao naturalmente em coisa muito suja por ai, porque nao em nos mesmos e depois simplesmente lavar bem lavado na agua com sabao? Essa minha experiencia indiana que eu jamais esperava vivenciar na vida foi mais um sucesso.

Bom, imediatamente em seguida a isso veio a outra importante experiencia do banho indiano. Pra quem nao sabe nao ha chuveiro nas casas da India, apenas torneira com agua, um balde grande e um baldinho menorzinho. Por sorte na casa do meu amigo tinha agua quente a gas tambem. Ah, e so pra acrescentar e voces entenderem, o lugar do "toilete", ou seja, o buraco no chao, eh separado do lugar do banho; sao portas separadas. Bom, e la fui eu tomar banho de baldinho. A experiencia foi de novo bem legal. Na verdade nada demais, mas nao deixou de ser uma experiencia nova pra um tipico paulistano. O que achei mais legal eh saber como da pra tomar um bom banho com pouca agua. Basta molhar o corpo primeiro, depois ensaboar-se e depois enxaguar-se; nem um balde inteiro eh necessario.

Acho que nesse momento encerram-se as minhas "primeiras experiencias" mais importantes, porque praticamente tudo o que aqui coloquei como tendo feito pela primeira vez segui fazendo nos dias subsequentes e tudo ficou normal pra mim. So pra repetir tudo: comer sentado no chao e com as maos, dormir em colchonete, fazer coco no buraco e limpar com a mao (ah sim, esqueci de dizer que fiz isso com a mao esquerda, como diz a regra), tomar banho de baldinho e tomar cha indiano de entrada ao acordar, o que nao eh cafe da manha. E sim, comida apimentada e condimentada sempre.

Bom, nesse meu primeiro dia realmente indiano o meu amigo tambem nos levou no templo da vila. O templo eh dedicado ao Lorde Parshurama (que deu nome a vila, Parshuram), que eh uma das encarnacoes de Vishnu. A lenda diz que Parshurama vivia ali e ele que fundou o templo, mas ninguem sabe de quando eh exatamente o templo. Foi o primeiro templo que visitei na India. Ele eh pequeno mas muito bonito, na tipica arquitetura indiana, com alguns milenios de vida, talvez. Tambem tive a oportunidade de ver a vila melhor, ja que antes estava noite e nao pude ver direito. Eles nao sao tao pobres assim ali, ja que, por causa do templo, ha um relativo fluxo de turistas que vao pra la e o povo ganha um dinheirinho vendendo bujigangas. Mas o turismo la eh de indianos, nao de estrangeiros, entao devo dizer que eu era um ET na vila. Eu e minha amiga.

Fico por aqui, sem camundongos e indianos me enganando. No proximo relato contarei um pouco mais sobre a vila e a regiao do entorno.

22 setembro 2007

Sadhu



Dominio total sobre o impulso sexual e o corpo fisico.



Incredible India! (slogan do governo indiano)
Om Shanti
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